segunda-feira, 3 de abril de 2023

Prognóstico e Complexidade

 José Roberto Goldim



Nesta semana, um amigo - Antonio Fabiano Ferreira Filho - me repassou uma cópia da avaliação de um aluno no Eton College, uma das mais tradicionais escolas inglesas. Neste documento, de 1949, o professor de Biologia faz uma série de comentários sobre o desempenho de um de seus alunos, chamado John Gurdon, então com 16 anos.




Tradução da avaliação
 
Foi um semestre desastroso. Seu trabalho está longe de ser satisfatório. O material preparado foi mal aprendido e nos testes as respostas estavam fragmentadas; em um desses trabalhos obteve dois pontos de 50 pontos possíveis. Seu outro trabalho foi igualmente ruim,  e várias vezes ele teve problemas, porque não quer ouvir, mas insiste em fazer seu trabalho à sua maneira. Acredito que ele tenha ideias sobre se tornar um cientista; o momento presente demostra que isso é bastante ridículo, se ele não puder aprender fatos biológicos simples, ele não terá chance de fazer o trabalho de um especialista, e seria pura perda de tempo, tanto de sua parte quanto de quem tem para ensiná-lo.


Em 1962, John Gurdon demonstrou que o processo de diferenciação celular não era apenas unidirecional. Até então, o processo era descrito como irreversível. Nesta perspectiva, as células não diferenciadas se diferenciam ao longo do processo de desenvolvimento de cada ser vivo. As células, uma vez diferenciadas, não mais podiam retornar aos seus estágios anteriores. A sua contribuição, que foi baseada em experimentos envolvendo células de anfíbios, romperam com o pensamento linear e unidirecional, então vigente. Esta, e outras inúmeras contribuições semelhantes, permitiram, ao longo da década de 1960, uma nova perspectiva mais complexa e abrangente para os fenômenos biológicos e para a compreensão da própria natureza. 

Esta contribuição ao conhecimento dos processos de diferenciação e de desdiferenciação celular foi fundamental para o desenvolvimento dos experimentos de clonagem, realizados posteriormente. Ele, inclusive, publicou artigos sobre os impactos e perspectivas futuras da clonagem, no final da década de 1990.

Em 2012, Sir John Gurdon recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina pela sua descoberta de que células maduras podem ser reprogramadas para serem pluripotentes. Este prêmio foi dividido com Shinya Yamanaka, da Universidade de Quioto no Japão. 

É importante destacar que, na breve apresentação de Sir John Gurdon, como laureado com  o prémio Nobel, consta a referência a este parecer de seu professor.

Sir John Gurdon é professor na Universidade de Cambridge, desde 1971. Ele obteve o seu título de doutor na Universidade de Oxford e trabalhou por alguns anos no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), em Pasadena.

Vale relembrar que desde a educação básica, ele sempre desejou ser cientista. Mas nem sempre foi reconhecido e aceito como sendo um aluno capaz de vir a dar alguma contribuição. Talvez ele não se enquadrasse na perspectiva esperada de dar respostas de acordo com as expectativas dos professores. Isto estava expresso na avaliação de 1949: "insiste em fazer seu trabalho à sua maneira". Esta forma diferente de pensar, de reenquadrar a realidade, é que justamente permitiu fazer as descobertas que fez. Ele não se limitou a replicar o conhecimento então estabelecido, ele rompeu com conceitos tidos como incontestáveis. Ele realmente deu uma contribuição disruptiva ao conhecimento dos processos celulares. 

Estudos como os realizados por Sir John Gurdon desafiaram os paradigmas então vigentes, assim como tantos outros ao longo dos anos 1960. Os resultados deste estudo foi um dos tantos desafios que provocaram a necessidade de pensar sobre a adequação das pesquisas e das ações assistenciais. Desta necessidade de refletir é que surgiu o ambiente propício ao desenvolvimento da Bioética ao longo da década de 1970.


Referências

Gurdon, J. B. (1962). «The developmental capacity of nuclei taken from intestinal epithelium cells of feeding tadpoles». Journal of Embryology and Experimental Morphology10: 622–640.

Gurdon, J. B.; Colman, A. (1999). «The future of cloning». Nature402 (6763): 743–746.

MLA style: Sir John B. Gurdon – Facts. NobelPrize.org. Nobel Prize Outreach AB 2023. Sun. 2 Apr 2023. <https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/2012/gurdon/facts/>