José Roberto Goldim
A pesquisa na área de saúde durante a pandemia da COVID-19 deu a sociedade uma resposta muito rápida no sentido de avaliar questões desde as clínicas, epidemiológicas e da ciência básica. Foi possível demonstrar a eficácia e a ineficácia de alguns tratamentos, medicamentos e procedimentos putilizados.
Em 27/03/2020 foi postado um primeiro texto neste blog sobre o tema da pesquisa na COVID-19. Em 14/07/2020 foi incluído um outro texto, posteriormente atualizado, abordando as questões de integridade nas pesquisa envolvendo temas relacionados à COVID-19, que tem sido crescentes e preocupantes.
A pesquisa em vacinas tem gerado grande ansiedade junto a sociedade em função da expectativa de poder voltar a ter uma viver mais próximo possível do que era vigente antes da pandemia. Algumas pessoas tem questionado a questão da velocidade e dos entraves para a realização das pesquisas nesta área.
Três fatores são fundamentais para o desenvolvimento de uma nova vacina em um rápido período de tempo: ter vários projetos paralelos utilizando diferentes abordagens; recursos econômicos para sustentar estas pesquisas; e agilidade dos órgãos regulatórios.
Em 23 de agosto de 2020 existiam 199 projetos de pesquisa cadastrados no sistema Clinical Trials para vacinas de SARSCoV-2, com pelo menos cinco abordagens diferentes: vacinas baseadas em DNA e RNA; utilizando vetores virais. baseadas em proteínas, utilizando o vírus [integro ou redirecionando vacinas já existentes para prevenir a COVID-19.
Quanto aos recursos econômicos, as empresas farmacêuticas e de biotecnologia, com o aporte de recursos oriundos de governos de vários países, estão investindo muitos bilhões de dólares norte-americanos nestes projetos.
A maioria dos países agilizou a avaliação dos aspectos éticos e regulatórios dos projetos de pesquisa na área da COVID-19. Os prazos regulatórios foram consideravelmente reduzidos, mantendo a qualidade mínima dos processos de avaliação, impedindo que este fator determinasse algum atraso na realização dos estudos.
Contudo, as fases de pesquisa para uma nova droga ou vacina foram estabelecidas com base no Princípio da Precaução, ou seja, se existe algum risco previsível devem ser tomadas medidas no sentido de evitar as sua ocorrência ou, pelo menos para minimizá-lo.
A estratégia foi gerar uma sequência de etapas que permitissem ter uma base de conhecimentos de forma segura e eficaz. Assim, foram estabelecidas cinco etapas: a fase pré-clínica, as fases de pesquisa clínica de 1 a 3, a a fase 4, posterior a liberação do produto para uso assistencial. No texto de COVID-19 e Pesquisa, consta uma descrição sumária de cada uma delas.
Em média, segundo vários estudos sobre pesquisas de novas drogas, o tempo entre o ínicio do desenvolvimento e a aprovação do produto gerado é de 12,5 anos. Sendo que as etapas de desenvolvimento inicial e de pesquisa pré-clínica são as mais demoradas, totalizando cerca de 9,5 anos.
Tabela 1 - Duração cumulativa das fazes de pesquisa
para obter a aprovação assistencial de uma nova droga
Fase | Compostos testados para
ter um aprovado |
Duração cumulativa |
Desenvolvimento |
25.000 |
4 anos |
Fase Pré-clínica |
10 a 20 |
5,5 anos |
Fase 1 |
5 a 10 |
7 anos |
Fase 2 |
2 a 5 |
8 anos |
Fase 3 |
1 a 2 |
11 anos |
Aprovação |
1 |
12,5 anos |
from lab to shelf. The Pharmaceutical Journal 12 MAY 2015.
O desenvolvimento e a pesquisa de novas vacinas tiveram períodos que foram inclusive maiores que estes verificados para as drogas em geral. As vacinas de varicela e de influenza, por exemplo, demoraram 28 anos para serem liberadas para uso assistencial. As vacinas para o papiloma vírus humano (HPV) e para o rotavírus tiveram um tempo de 15 anos antes de sua liberação, segundo levantamentos realizados por Stanley Plotkin e colaboradores. Vale lembrar que até hoje, passados mais de 30 anos, ainda não foi desenvolvida uma vacina contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A previsão dos especialistas em vacinas é de que ela não estará disponível antes de 2030.
Em 30 de abril de 2020, o jornal The New York Times publicou uma matéria, fazendo previsões, a época, sobre os diferentes cenários para a liberação de uma vacina para uso assistencial. O cenário mais realista utilizou os dados de Ingrid Thorjesen, ou seja, de que a primeira vacina para o vírus SARSCoV-2 estaria disponível em novembro de 2033. No cenário otimista, uma vacina poderia ser liberada em julho de 2031, com a antecipação dos estudos de fase 1 já para o ano de 2022. Finalmente, no cenário altamente otimista, a liberação poderia vir a ocorrer em outubro de 2029, com os estudos de fase 1 começando no final de 2020 ou início de 2021. Foram acrescidas outras variáveis, como a produção de uma vacina baseada em RNA, a antecipação da construção das fábricas para a produção das vacinas e a sua liberação como uso emergencial. Neste conjunto de situações a primeira vacina estaria disponível em janeiro de 2024,
O Dr.. Anthony Fauci do FDA fez uma previsão de que poderia ter uma vacina liberada no em entre abril e outubro de 2021. O autor do artigo no The New York Times destacou que este prazo seria bastante improvável.
A agilização do processo de aprovação das pesquisa permitiu romper com alguns pressupostos anteriormente vigentes. Isto já tinha sido proposto e utilizado nas pesquisas com medicamentos para pacientes com HIV. O modelo tradicional de escalonamento de fases, sendo que uma nova fase somente era iniciada após a anterior ter publicado os seus resultados, foi alterado. Atualmente existe a possibilidade de realizar vários estudos simultâneos de uma mesma vacina em diferentes fases, ou, até mesmo, um único estudo ter etapas de várias fases realizadas simultaneamente. Ou seja, as fases se sobrepõem mesmo ainda quando seus resultados ainda não conhecidos.
A Operation Warp Speed (OWS) é uma parceria entre o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), do Departamento de Defesa (DOD) e de inúmeras empresas privadas no sentido de acelerar o desenvolvimento de vacinas, medicamentos e métodos diagnósticos para a COVID-19. Este acordo foi estabelecido em 15 de maio de 2020. O objetivo era ter a possibilidade de realizar estudos de fase 3 iniciando entre os meses de julho e novembro de 2020 para obter resultados até julho e 2020 para oito diferentes vacinas.
Os dados da realidade demonstram que a conjugação dos três fatores deu resultado. Os dados atuais eram impensáveis nos cenários apresentados em abril passado. O monitor de estudos sobre vacinas de COVID-19 do The New York Times, em 21 de agosto de 2020, informava que 42 estudos de vacinas estavam sendo realizados em seres humanos, sendo 21 estudos em fase 1, 13 em fase 2 e 8 em fase 3. Além disto, duas vacinas já tiveram aprovação, por órgãos nacionais, sendo uma vacina com aprovação antecipada e outra para uso emergencial.
A vacina russa, Gam-Cocid-Vac Lyo, com nome comercial de Sputik V, foi aprovada antecipadamente pelo Ministério da Saúde da Federação Russa, em 11 de agosto de 2020, para uso assistencial. Esta vacina somente teve um estudo de fase 1, realizado entre 17/06/2020 e 10/08/2020, envolvendo 38 voluntários, com dados ainda não publicados. Nos dados do Clinical Trial o estudo está classificado como de fase 1 e 2 simultâneo, porém as suas características são típicas de estudos de fase 1. A proposta é começar a vacinar a população russa em outubro de 2020.
A vacina chinesa, desenvolvida por instituições de pesquisa, incluindo a Academia Militar Médica chinesa, e pelo consórcio CanSinoBIO, já teve resultados publicados estudos de Fase 1, com 108 voluntários, e de Fase 2 com 508 participantes. Os resultados demonstraram que a vacina produz reação imunológica e que teve poucos eventos adversos. A Academia Militar Médica da China aprovou o uso emergencial desta vacina em militares e funcionários de empresas estratégicas chinesas.
No Brasil já são quatro vacinas que foram autorizadas pela ANVISA ou pela CONEP para serem testadas em projetos de pesquisa.Estes estudos são de Fase 1-2-3, em um deles, e de Fase 3, nos demais três projetos.
Estes dados demonstram a agilidade com que as pesquisas foram planejadas, executadas e divulgadas na área de novas vacinas para o SARSCoV-2. A realidade das pesquisas em andamento surpreendeu a todas as expectativas previstas em múltiplos cenários, até mesmo os mais otimistas, em termos de prazos de realização e de resultados de pesquisas envolvendo vacinas para a COVID-19.
A questão pendente com o uso destas vacinas testadas em períodos tão curtos se referem às questões de segurança e eficácia das suas respostas em longo prazo e em grandes grupos populacionais.
Para ler mais:
Goldim JR. COVID-19 e Pesquisa. Bioetica Complexa. 27/03/2020.
Goldim JR. COVID-19 e Integridade na Pesquisa. Bioetica Complexa. 14/07/2020.
Stanley A. Plotkin, Wlater Orestein, Paul A. Orfitt, Kathrin M. Edwards. Plotkin’s Vaccines. 7ed New York; Elsevier, 2007.