José Roberto Goldim
A atual discussão a respeito da exigência de alguns países sobre a vacinação de COVID-19 não é uma novidade. Até o presente momento o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da Organização Mundial da Saúde ainda não se manifestou sobre a inclusão da COVID-19 no Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP).
O Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP) é um documento que já existe há muito tempo e serve para comprovar que uma pessoa está imunizada para determinadas doenças, especialmente contra a Febre Amarela, mas também contra a Meningite e Poliomielite. O Certificado para a Febre Amarela é exigido para mais de 100 países, enquanto que para a Meningite e para a Poliomielite esta exigência cai para quatro países. No passado este documento foi fundamental para a erradicação da Varíola. O Certificado tem duração diferenciada de acordo com o tipo de doença.
De acordo com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), os países podem estabelecer restrições aos viajantes que ingressam nos seus territórios, com base em questões sanitárias.
No caso de alguma pessoa ter uma situação de saúde que a impeça de ser vacinada, a Organização Mundial da Saúde já prevê a possibilidade de que o seu médico assistente possa emitir um atestado de isenção de vacinação. O importante é que o documento seja redigido em inglês ou francês e contenha todas as informações que permitam avaliara adequadamente esta situação especial de saúde. Os países, em geral, aceitam este atestado de isenção de vacinação como substituto do Certificado de Vacinação.
O Certificado visa proteger as populações contra a entrada de pessoas com uma doença imunizável em seu território e a possibilidade de que o viajante possa ser infectado em sua estada. É uma política sanitária adequada de proteção individual e coletiva.
A proposta de emitir um Passaporte Imunológico para COVID como forma de relaxar medidas de distanciamento social, uso de máscaras ou outras formas de proteção, com base em resultados de exames ou de vacinação prévia é altamente discutível. A própria denominação Passaporte Imunológico não é recomendável. A denominação de Certificado Internacional de Vacinação é que deveria ser utilizada.
As vacinas utilizadas para a emissão dos Certificados Internacionais de Vacinação atuais são conhecidas e tem sua efetividade e duração comprovadas. As vacinas para a COVID-19 ainda não tem estudos suficientes para gerar os dados sobre a duração do seu efeito. Vale lembrar que os países não aceitam toda e qualquer vacina, mas, em geral, as que foram utilizadas para imunizar a sua população local. O Certificado para as outras doenças - Febre Amarela, Poliomielite e Meningite - tem prazo de validade estabelecido.
A exigência de um Certificado de Vacinação não é discriminatória na medida em que a vacina esteja disponível para toda a população, caso contrário são criados grupos de pessoas com e sem este privilégio de acesso. O importante é disponibilizar, é oferecer a possibilidade de que todos tenham a possibilidade de serem vacinados. Ou seja, é ter uma política sanitária justa e inclusiva.
Já ocorreram propostas de empresas privadas oferecerem a emissão de Passaportes Imunológicos virtuais para garantir a entrada em diferentes tipos de eventos ou locais de convívio social. Esta proposta sim pode ser discriminatória, pois poderá estabelecer desigualdades em função de alguma forma de contrapartida para quem for emitir este "passaporte", até mesmo pela simples necessidade de ter um telefone celular. Esta é uma atribuição da autoridade sanitária, justamente para permitir a universalização de fornecimento deste documento.
O Ministério da Saúde está emitindo uma Carteira de Vacinação Digital, inclusive com um QRCode, para facilitar a sua leitura. Este documento está sendo emitido com validade de um ano, desde a data de sua emissão, independente da data na qual a pessoa foi vacinada. Ele tem validade apenas no país, pois não está escrito em inglês ou francês, como é preconizado pelo Regulamento Sanitário Internacional. É importante salientar que no próprio documento é salientado que o mesmo não é de uso obrigatório e que não pode ser utilizado "para fins discriminatórios". Ou seja, a Carteira de Vacinação Digital não é um Certificado Internacional de Vacinação nem um Passaporte Imunológico.
Na discussão social, principalmente para contestar esta prática, sido utilizado o argumento da liberdade individual. O contraponto da liberdade individual é a segurança decorrente de viver em comunidade. Existe um falso dilema entre independência individual e dependência comunitária. A superação desta visão tida como mutuamente excludente é buscar o equilíbrio entre estas duas características. Quando se aceita que a discussão não é um jogo de "ganha-perde", ou seja, uma opção pela independência ou pela dependência, surge a possibilidade de ter o entendimento mais abrangente e adequado. A percepção de que o importante é discutir a interdependência é fruto desta superação. Esta persepectiva dialógica de uma abordagem conjunta da dependência e da independência é que permite vislumbrar novas alternativas para este problema.
Texto atualizado em 25/07/2021
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