José Roberto Goldim
Em situações de risco, como a que
estamos vivendo mundialmente em função do coronavírus, a comunicação é
essencial. É dela que resultam as ações. A base da comunicação é a
informação.
A comunicação envolve percepção, memória e atenção. A percepção é subjetiva, a memória é falível e a atenção é escassa. Neste contexto é que a comunicação se torna confusa ou ambígua.
Confusão ocorre quando muitas informações aparentemente diferentes representam a mesma coisa. Diferentes pessoas utilizam diferentes palavras para se referirem ao mesmo conceito. A confusão faz com que as pessoas tenham diferentes olhares, que são meramente aparentes, para um mesmo problema ou conceito. Ao falar em COVID-19, SARS e MERS todos se referem ao coronavírus, mas as doenças diferentes. Falar em coronavírus apenas é não diferenciar os tipos de vírus que causam estas doenças. A COVID-19 é causada por um coronavírus do tipo SARS-CoV-2. A SARS é causada pelo vírus SARS-CoV e a MERS pelo vírus MERS-CoV.
Por outro lado, a ambiguidade é decorrente da
quantidade, do tipo e da unanimidade da informação. É a ambiguidade que gera a
maximização ou a minimização de um risco. A mesma informação, sendo ambígua,
permite que diferentes cenários possam ser previstos, muitas vezes de forma equivocada.
A pandemia de coronavírus é um evento muito recente. Os primeiros relatos surgiram no final de dezembro de 2019. Muitas pessoas confundiram a nova doença com outras já existentes e existe muita ambiguidade na percepção adequada da própria situação.
Vários sintomas e sinais associados ao COVID-19 são semelhantes aos de outras doenças, isto acarreta uma redução ou agravamento da percepção da gravidade.
Os dados divulgados não são os mais confiáveis possíveis. Muitos países demoraram em apresentar seus dados epidemiológicos, ou fizeram de forma parcial. Infelizmente, alguns países sequer divulgaram a sua situação epidemiológica até o presente momento.
A própria definição de quem era pessoa doente foi sendo alterada ao longo do mes de janeiro de 2020. A liberação de dados acumulados em um único dia pode dar a falsa sensação de um agravamento ou de desconfiança se outros dados não estão sendo adequadamente compartilhados. Foi o que ocorreu no dia 13 de fevereiro, quando mais de 15.000 novos casos foram relatados. O maior número diário de casos tinha sido de 4.000 em 4 de fevereiro. Isto voltou a ocorrer em 13 de março, sem que ainda se tenha uma adequada explicação.
Os dados atuais permitem verificar que 142 países ou regiões do mundo já tem casos relatados. A grande variabilidade de ocorrências, desde mais de 80.000 casos na China, mais de 20.000 na Itália e mais de 10.000 no Irã se contrasta com muitos países próximos que têm menos de 1.000 casos relatados. A questão é que os dados são divulgados de forma bruta, ou seja, pelo número de casos confirmados. O ideal seria, para fins de comparação, que estes dados fossem interpretados como proporções populacionais, ou seja, o quanto estes doentes representam relativamente às suas populações locais e nacionais.
Outro ponto importante é a falta de unanimidade entre as medidas propostas. Alguns países tomaram medidas drásticas de reduzir o contato entre as pessoas e outros foram mais tolerantes. A diferença de propostas de manter as pessoas em casa, permitindo apenas saídas justificadas, ou simplesmente restringir o acesso de outras pessoas a uma determinada região gera uma ambiguidade de qual a melhor decisão. Fechar o país a entrada de estrangeiros ou manter os moradores locais com redução de contatos não são a mesma coisa desde o ponto de ista de controle epidemiológico.
A maior ameaça à comunicação é o engano deliberado, é a mentira para ocultar uma realidade. Minimizar intencionalmente o impacto da doença, quando os dados já demonstram a sua gravidade global, é extremamente danoso. Muitas pessoas irão acreditar nessa informação equivocada, quanto mais influente for a pessoa que a disseminou. Neste mesmo nível, se enquadram os anúncios de medidas, qua ainda não estão disponíveis, como se já estivessem ou estarão em um curto espaço de tempo. Um exemplo disto é divulgar que diagnósticos seriam realizados, em um curto espaço de tempo, por sites de internet que indicariam para as pessoas os locais onde poderiam fazer testes diagnósticos em um estilo drive through. Esta proposta sequer foi adequadamente planejada. Outra é divulgar que em um curto espaço de tempo teremos uma vacina para o coronavírus. Os resultados das pesquisas, muitas delas ainda sequer iniciadas, ainda demorarão para serem transpostos à assistência à saúde das populações. Pior que isto, é um profissional de saúde iludir pessoas e instituições com falsos medicamentos que supostamente impediriam ou curariam as pessoas infectadas pelo coronavírus. Utilizar produtos já existentes, fora de suas indicações autorizadas, para este fim ilusório é inaceitável.
Outro fator importante é a ancoragem. Isto ocorre quando se compara o dado atual com outro com a intenção de fazer uma associação. Na atual pandemia isto está ocorrendo com a letalidade. As pessoas estão minimizando o risco de morte associado fazendo comparações com outras doenças ou ocorrências fatais. Comparar a letalidade do COVID-19 com a verificada no Ébola é gerar uma aparente tranquilidade, pois a mortalidade da primeira é de 3,6% enquanto que da segunda é de 25% a 90%. Ocorre que são situações totalmente distintas. O COVID-19 é uma doença global, que atinge grandes populações enquanto que o Ébola é restrito a grupos populacionais regionais, felizmente.
Nas doenças globais a dificuldade é estabelecer tanto o numerador quanto o denominador. Nas taxas de letalidade o numerador é o número de pessoas que morreram com a doença enquanto que o denominador é estabelecido pelo número das pessoas que tiveram a doença. A dificuldade está em saber quantas pessoas tiveram a sua morte decorrente da presença do coronavírus, ou simplesmente associada à sua presença. Uma coisa é estabelecer associações, outra é causalidade. Por outro lado, o denominador também é de difícil caracterização, pois muitas pessoas, que possam ter sido infectadas, não valorizaram os sinais e sintomas, ou tiveram uma outra situação que pode ter sido confundida com a COVID-19. Este é um problema de muito difícil solução.
Finalmente, a memória é falível ao reconstruir cenários passados. Comparar, ainda que de forma imprecisa e frouxa, a COVID-19 com o episódio mais recente do H1N1 é muito mais adequado que com outras situações como SARS, MERS, Ébola e Gripe Espanhola. As primeiras geram lembranças inadequadas pela falta de familiaridade com estas situações, especialmente pela questão geográfica associada, e a última pelo distanciamento no tempo, pela lembrança contaminada pelo próprio tempo.
A indeterminação está e estará sempre presente. As previsões são feitas com base em eventos passados. Quando um fenômeno é totalmente novo ou muda o seu modo de mudar, a indeterminação está presente.
É fundamental ter fontes confiáveis de dados, ter interpretações que permitam orientar adequadamente as ações e tomar as decisões no momento adequado. Em uma pandemia, mais do que curar, o importante é prevenir, é se antecipar nas medidas que visem minimizar o contágio entre pessoas.
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