sexta-feira, 27 de março de 2020

COVID-19 e Modelos Explicativos

José Roberto Goldim


Todos os sistemas têm comportamentos semelhantes em maior ou menor grau. Existem vários modelos matemáticos que podem ser utilizados para verificar estes comportamentos. A pandemia da COVID-19 não é diferente.  

A Teoria do Caos pode ser um bom modelo explicativo a ser utilizado. Vários autores trabalharam estas questões, mas, talvez, o mais acessível é Edgar Morin. 
Morin explicou esta a mudança de um estado dinâmico de ordem para o de caos a partir de uma perspectiva dialógica entre os processos de interação e organização. A interação provocando a mudança de um estado de ordem para o de caos, e a organização de um estado de caos para uma nova ordem. Caso não ocorra um evento organizador o sistema se desintegra devido ao estado de caos em que se encontra. É isto que ocorreu no sistema de saúde da Itália e da Espanha.


Os sistemas, sejam eles quais forem, não são fechados, sempre sofrem influencia de elementos externos a eles. A pretensão de que conhecendo todos os elementos de um sistema seria plenamente possível prever o seu comportamento já foi ultrapassada pelos fatos e pelos estudos, especialmente de Ilya Prigogine.
As mudanças de fase de um sistema tem um comportamento muito bem estudado por outro modelo explicativo, a Teoria da Percolação. Este modelo foi desenvolvido na década de 1940 para buscar explicações dos motivos pelos quais um sistema colapsa, não mais permite a sua reorganização. A Teoria da Percolação é a base para o raciocínio de que o comportamento tende a mudar na medida que temos  50% da população exposta. 
No gráfico abaixo, este valor é associado a pc .A questão não é evitar que se atinja este valor de 50%, mas sim fazer com que a velocidade se reduza até atingir este valor. 


Fonte: Bunde e Kantehardt

Outro modelo matemático que pode ser utilizado é a Teoria dos Fratais. Esta teoria permite descrever a auto-semelhança existente entre fenômenos. Em aluguns momento os sitemas parecem não ter qualquer semelhança, mas voltam a repertir os mesmos padrões já apresentados antes. Esta auto-semelhança é que permite utilizar a Teoria do Caos e da Percolação a diferentes sociedades e momentos da Pandemia. De alguma forma o comportamento se repete, com características aparentemente diversas, mas mantendo um padrão repetitivo. 

As fases da Pandemia podem ser classificadas em transmissão localizada, aceleração descontrolada, desaceleração e controle. 

A Teoria do Caos e da Complexidade permite entender melhor estas etapas da Pandemia. A transmissão localizada é o processo que leva ao estado de aceleração descontrolada, que é sinônimo de caos. Por outro lado, é o processo de desaceleração que reorganiza o sistema permitindo um novo estado de controle da doença. O caos se estabelece por meio do aumento do número de interações entre os elementos de um sistema. É necessário estabelecer processos de organização para que o sistema volte a ter uma nova ordem, que possivelmente, em função da sua própria dinâmica, irá novamente caotizar. É um jogo constante entre interação e organização. 

A Teoria da Percolação explica o crescimento na fase de migração da transmissão localizada para a de crescimento descontrolado, quando ocorre a mudança de fase de ordem anterior para o novo caos que se instala. Por sua vez, atingido o ponto máximo de interações possíveis, esta tendem a se reduzir, pelo esgotamento de casos, permitindo que o processo de desaceleração se instale e a nova ordem se estabeleça, caracterizando o controle da doença. É esta teoria da Percolação que permite estabelecer o modelo explicativo para o que se denominou de "imunidade de rebanho". Este conceito, oriundo da Medicina Veterinária. É a Teoria da Percolação que permite estabelecer os valores a serem atingidos nas estratégias de bloqueio vacinal.

A Teoria dos Fratais é que dá a segurança de que estas fases se repetem, talvez com peculiaridades próprias, mas com uma sequência conhecida. Dependendo das intervenções que são realizadas, a velocidade e o impacto destas fases podem variar.    

As medidas de distanciamento e de isolamento visam exatamente isto, retardar o momento em que este valor seja atingido. É uma maneira de retardar um pouco processo que leva ao caos, que se instala por meio da interação entre pessoas. Ou seja, na medida em que se restringe a interação se retarda o estado de caos. Ao dar mais tempo para o sistema buscar se estruturar para atender às novas demandas, as repercussões são menores. Quando a aceleração descontrolada ocorrer o sistema estará pronto para dar uma resposta mais efetiva. Ao dar esta resposta, o processo de desaceleração pode se instalar e gerar o novo estado de controle da doença. As pessoas que necessitam ter contato com outras pessoas por razões de trabalho ou necessidade comprovada devem proteger os outros ao utilizarem, no mínimo, máscaras faciais. Ao protegerem o outro, estarão se protegendo.

Muito do que ocorreu em países europeus foi muito mais em função da perda de controle do sistema em si qua da Pandemia. Inúmeras mortes evitáveis ocorreram pela saturação do sistema, pela falta de recursos que foram demandados simultaneamente, por decisões de alocação equivocadas de atender ou não pacientes.

As curvas de evolução da COVID-19 que estão disponíveis no site da Universidade Johns Hopkins permitem avaliar o impacto e a eficácia destas medidas em diferentes países.

Reduzir a interação entre pessoas, reduzir a possibilidade de contaminação nas pessoas que necessitam ter interações, organizar as ações e buscar atingir o ponto de mudança de fase da pandemia com um pouco mais de tempo são as medidas que devemos buscar. 

Para ler mais

Prigogine I, Stengers I. Order out of chaos: man’s new dialogue with nature. Toronto: Bantam; 1984.

Morin E. O método. Porto Alegre: Sulina; 1998.

Bunde A, Kantehardt JW. Introduction to Percolation Theory (Part A). Halle. 

Torres RI. En busca de la cuarta dimensión. National Geographic. 2016;1–160. 

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