José Roberto Goldim
Saúde e Medicina são temas que acompanham a história da humanidade. A Saúde e a Medicina sempre lidaram com a vida e o viver das pessoas. Porém, progressivamente, tiveram uma trajetória que privilegiou os fatos, a incorporação da ciência e da tecnologia.
A Saúde e a Medicina se depararam com a morte continuamente. É corriqueiro o uso da metáfora do enfrentamento, da luta, ou do combate às doenças. Nesta mesma perspectiva, a morte é, muitas vezes, entendida como um fracasso, como uma falha das ações de saúde. As doenças são enigmas que desafiam na busca de sua explicação. O que era algo inexplicável, um enigma, poderia ter uma explicação racional. Foi assim que o conhecimento na área da Saúde se desenvolveu: resolvendo enigmas associados a vida e reconhecendo o mistério da morte (1). Mistério por que é inexplicável, que está além do inteligível. Talvez, justamente por isso, que é tão difícil de conviver com a perspectiva da morte. Transcender está além da saúde e da Medicina, é outra dimensão do humano..
Vale lembrar que a Medicina, mesmo quando não tinha tratamentos efetivos a oferecer, sempre cuidava do paciente. O médico era reconhecido como alguém que cuidava. Heidegger já destacava que “o cuidado é o permanente companheiro do ser humano” (2).
Com a progressiva entrada da Ciência na área da Medicina, na segunda metade dos anos 1800, a Medicina se afasta do cuidado e passa a ter ferramentas de tratamentos (3). A formação do médico se deslocou dos aspectos humanistas para os científicos no início dos anos 1900 (4). De cuidador, o médico passa a ser um terapeuta, alguém que prescreve tratamentos com base em fatos científicos. São tratamentos que cada vez mais incorporam novas e complexas tecnologias.
O espaço do cuidado foi sendo progressivamente ocupado pela tecnologia, gerando um distanciamento entre o médico e seu paciente. É neste contexto que o paciente cede lugar ao cliente. Não é mais o atendimento de alguém que sofre, mas sim uma nova relação de prestação de serviços.
A tecnologia tem um apelo tão grande, que alguns autores chegam a pensar em uma Medicina sem médicos, mediada apenas por equipamentos, pela chamada inteligência artificial. Esta é uma projeção equivocada. A alta tecnologia não substitui o cuidado. Ao contrário, a alta tecnologia deve ser acompanhada pela alta sensibilidade aos aspectos humanos do paciente (5).
A relação entre um médico, ou outro profissional de saúde, e seu paciente e familiares é, por definição, uma relação assimétrica. É uma relação entre um profissional que se capacitou para atender outra pessoa que sofre, que necessita de atendimento (6).
Quando a relação passa do cuidado ao paciente à prestação de serviços a uma cliente, o foco da necessidade de alguém que sofre é substituído pela busca de atender apenas aos desejos de uma pessoa. A relação médico-paciente é baseada em uma garantia de meios, a relação com um cliente tem a garantia de fim. Na área da saúde nunca se tem a possibilidade de dar uma certeza de resultado. Por isto, a relação médico-paciente é muito mais do simplesmente uma prestação de serviços.
Desde muitos séculos, a relação médico-paciente é entendida como baseada na confiança, na busca do paciente em sentir-se protegido frente a estas situações que está exposto (7). Os interesses, desejos, afetos e vínculos do paciente são elementos importantes a serem considerados São os elementos que compõem a enfermidade que movem o paciente, enquanto que o profissional tem a identificação de um conjunto de questões relacionadas especificamente à doença. A relação ideal é aquela que conjuga a enfermidade do paciente com a doença observada pelo profissional (8).
A nova área da Saúde, não substitui, mas sim incorpora e desenvolve uma alta qualificação científica e tecnológica associada a uma alta sensibilidade voltada ao relacionamento interpessoal. A Saúde deve ser integrada na sua perspectiva biológica, enquanto associada à vida, com a perspectiva biográfica do viver, que dá a dimensão biográfica da pessoa. É estabelecer uma relação com o paciente como pessoa, que sempre tem uma história singular. O desafio é reconhecer a interdependência dos aspectos biológicos com os biográficos, que dão suporte e sentido à existência de cada um de nós. Não é simplesmente tratar uma doença, nem apenas atender a uma enfermidade, mas sim entender as necessidades de alguém que se reconhece que está sofrendo, que é vulnerável e necessita, portanto, de uma ajuda qualificada. Este é o nosso desafio na construção de uma nova Saúde: incluir estas novas habilidades de relacionamento humano com a preservação da qualificação técnica e científica.
Esfinge
No delta acocorada, entre as verdes lianas,
Surge num mudo assombro a Esfinge de granito,
E atenta, o olhar parado, espreita as caravanas,
Que cruzam na extensão das áreas do Egito.
Tal num sonho de pedra, imoto, o horrendo mito,
Lembrando as tradições das raças soberanas,
Parece ouvir com espanto a rolar no infinito
Os séculos que vão com as gerações humanas.
Impérios colossais, Potestades divinas,
Patriarcas e reis de infinda majestade,
Tudo desfez-se em pó e esboroou-se em ruínas...
Só a esfinge não morre, e erguendo o estranho porte,
Guarda, eterna, do caos das origens e da idade
O enigma da vida e o mistério da morte.