quarta-feira, 16 de junho de 2021

COVID-19, vacinação e relaxamento das medidas de proteção individual e coletiva

 José Roberto Goldim


Com o aumento das taxas de cobertura vacinal na população de alguns países, os governos estão retirando medidas de proteção individual e coletivas que haviam sido impostas às populações. Esta posição deve ser avaliada com a prudência necessária a todas as situações de risco.

Esta reflexão deve ser feita desde o ponto de vista pessoal e coletivo.

Desde o ponto de vista individual, não existe  vacina capaz de proteger integralmente às pessoas. Ou seja, não tem como garantir que a pessoa, uma vez vacinada, está isenta de riscos de vir a se contaminar novamente e manifestar a doença. O que se sabe, até o presente momento, é que havendo uma nova manifestação da doença, existe a possibilidade de que ela seja menos grave. 

Desde o ponto de vista coletivo, a vacina também não impede o contágio de outras pessoas. As pessoas vacinadas fazem um bloqueio de transmissão, mas não um impedimento total. Quanto mais pessoas vacinadas, menor a possibilidade de contaminação entre os membros de uma população.  O importante é saber a partir de qual percentual da população vacinada o risco coletivo de contaminação efetivamente diminui. 

Desde o ponto de vista teórico, o modelo matemático da percolação, estabelece este valor em 50%. Ou seja, a partir deste valor de conexões estabelecidas, a frequência de novas conexões tende a diminuir. No caso da COVID-19 este valor talvez seja maior, em função do aumento da transmissibilidade das novas variantes do vírus. A estimativa mais frequentemente utilizada está ao redor de 70% da população ser vacinada para que haja a possibilidade de uma efetiva redução de novos casos.

A vacinação, desde o ponto de vista individual, reduz a gravidade da doença e, consequentemente, a mortalidade, e, desde o ponto de vista coletivo, o número de pessoas que se contaminam. Estes resultados já estão sendo evidenciados em diferentes estudos.

Desta conjugação de perspectivas individuais e coletivas é que surge a necessidade de manter as medidas mínimas e efetivas de proteção. Isto é necessário, pois em várias partes do mundo a pandemia ainda está com altíssimas taxas de transmissão. Da mesma forma, o número de mortes não é uniforme nos diferentes países e regiões dos continentes e os programas de vacinação apresentam desigualdades, inclusive dentro de países com disponibilidades de vacinas. 

O retorno progressivo das viagens internacionais, mesmo com testagem prévia negativa e com a exigência de vacinação, reduz, mas não elimina o risco de novas contaminações. Vale lembrar que os testes, também não tem uma sensibilidade e uma especificidade que garantam que aquela pessoa específica não seja transmissora. Formas leves da doença não são auto-evidentes, mas ainda assim tem potencial de transmissão.

A vacinação, a testagem e as medidas de prevenção, como o uso de máscaras, são os melhores meios de enfrentamento à pandemia.

Para ler mais:

Atualização em 25/07/2021
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/07/22/medo-de-escassez-de-comida-cresce-no-reino-unido-por-isolamento-contra-covid


segunda-feira, 26 de abril de 2021

COVID-19: Passaporte Imunológico ou Certificado de Vacinação

 José Roberto Goldim


A atual discussão a respeito da exigência de alguns países sobre a vacinação de COVID-19 não é uma novidade. Até o presente momento o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) da Organização Mundial da Saúde ainda não se manifestou sobre a inclusão da COVID-19 no Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP).

O Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP) é um documento que já existe há muito tempo e serve para comprovar que uma pessoa está imunizada para determinadas doenças, especialmente contra a Febre Amarela, mas também contra a Meningite e Poliomielite. O Certificado para a Febre Amarela é exigido para mais de 100 países, enquanto que para a Meningite e para a Poliomielite esta exigência cai para quatro países. No passado este documento foi fundamental para a erradicação da Varíola. O Certificado tem duração diferenciada de acordo com o tipo de doença. 

De acordo com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), os países podem estabelecer restrições aos viajantes que ingressam nos seus territórios, com base em questões sanitárias. 

No caso de alguma pessoa ter uma situação de saúde que a impeça de ser vacinada, a Organização Mundial da Saúde já prevê a possibilidade de que o seu médico assistente possa emitir um atestado de isenção de vacinação. O importante é que o documento seja redigido em inglês ou francês e contenha todas as informações que permitam avaliara adequadamente esta situação especial de saúde. Os países, em geral, aceitam este atestado de isenção de vacinação como substituto do Certificado de Vacinação. 

O Certificado visa proteger as populações contra a entrada de pessoas com uma doença imunizável em seu território e a possibilidade de que o viajante possa ser infectado em sua estada. É uma política sanitária adequada de proteção individual e coletiva.

A proposta de emitir um Passaporte Imunológico para COVID como forma de relaxar medidas de distanciamento social, uso de máscaras ou outras formas de proteção, com base em resultados de exames ou de vacinação prévia é altamente discutível. A própria denominação Passaporte Imunológico não é recomendável. A denominação de Certificado Internacional de Vacinação é que deveria ser utilizada. 

As vacinas utilizadas para a emissão dos Certificados Internacionais de Vacinação atuais são conhecidas e tem sua efetividade e duração comprovadas. As vacinas para a COVID-19 ainda não tem estudos suficientes para gerar os dados sobre a duração do  seu efeito. Vale lembrar que os países não aceitam toda e qualquer vacina, mas, em geral, as que foram utilizadas para imunizar a sua população local. O Certificado para as outras doenças - Febre Amarela, Poliomielite e Meningite - tem prazo de validade estabelecido.

A exigência de um Certificado de Vacinação não é discriminatória na medida em que a vacina esteja disponível para toda a população, caso contrário são criados grupos de pessoas com e sem este privilégio de acesso. O importante é disponibilizar, é oferecer a possibilidade de que todos tenham a possibilidade de serem vacinados. Ou seja, é ter uma política sanitária justa e inclusiva.

Já ocorreram propostas de empresas privadas oferecerem a emissão de Passaportes Imunológicos virtuais para garantir a entrada em diferentes tipos de eventos ou locais de convívio social. Esta proposta sim pode ser discriminatória, pois poderá estabelecer desigualdades em função de alguma forma de contrapartida para quem for emitir este "passaporte", até mesmo pela simples necessidade de ter um telefone celular. Esta é uma atribuição da autoridade sanitária, justamente para permitir a universalização de fornecimento deste documento.

O Ministério da Saúde está emitindo uma Carteira de Vacinação Digital, inclusive com um QRCode, para facilitar a sua leitura. Este documento está sendo emitido com validade de um ano, desde a data de sua emissão, independente da data na qual a pessoa foi vacinada. Ele tem validade apenas no país, pois não está escrito em inglês ou francês, como é preconizado pelo Regulamento Sanitário Internacional. É importante salientar que no próprio documento é salientado que o mesmo não é de uso obrigatório e que não pode ser utilizado "para fins discriminatórios". Ou seja, a Carteira de Vacinação Digital não é um Certificado Internacional de Vacinação nem um Passaporte Imunológico.

Na discussão social, principalmente para contestar esta prática, sido utilizado o argumento  da liberdade individual. O contraponto da liberdade individual é a segurança decorrente de viver em comunidade. Existe um falso dilema entre independência individual e dependência comunitária. A superação desta visão tida como mutuamente excludente é buscar o equilíbrio entre estas duas características. Quando se aceita que a discussão não é um jogo de "ganha-perde", ou seja, uma opção pela independência ou pela dependência, surge a possibilidade de ter o entendimento mais abrangente e adequado. A percepção de que o importante é discutir a interdependência é fruto desta superação. Esta persepectiva dialógica de uma abordagem conjunta da dependência e da independência é que permite vislumbrar novas alternativas para este problema.

Texto atualizado em 25/07/2021





sábado, 10 de abril de 2021

COVID-19 e Comunicação de Informações em Saúde

 José Roberto Goldim


As instituições de saúde, especialmente os hospitais, tiveram que adaptar rapidamente os seus sistemas e processos de informação e comunicação às restrições impostas pela alta taxa de contaminação da COVID-19. Muitos sistemas de informação utilizados apenas nas redes internas e fechadas dos hospitais tiveram que ser disponibilizados aos profissionais de saúde que poderiam estar realizados as suas atividades de forma remota. Os sistemas de prontuários passaram a poder ser acessados de forma não mais apenas local.

O desafio foi manter as medidas de segurança vigentes com este novo grau de compartilhamento de informações.

Todas as informações pessoais dos pacientes passaram a trafegar por redes externas, demandando estratégias de segurança nunca antes pensadas, mas agora necessárias.

As respostas foram as mais diversas. Muitas delas utilizando recursos disponíveis na internet de forma gratuita, outras que demandaram a geração de novos softwares desenvolvidos nas próprias instituições. As soluções obtidas, pelo menos com os conhecimentos disponíveis até o presente momento, permitiram dar uma boa segurança a estes dados.

O maior desafio foi manter a qualidade das informações e a segurança associadas a elas, assim como as normas legais sobre tratamento e distribuição de informações de saúde, mesmo durante uma emergência sanitária mundial.

Outra questão fundamental foi manter os membros das famílias informados sobre os pacientes. Em muitas situações os familiares não tinham a possibilidade de contato direto com o paciente, nem com o profissional de saúde. Foram utilizadas inúmeras formas de comunicação, a maioria utilizando aplicativos convencionais disponíveis para a realização de vídeo chamadas. Foi um grande desafio para os profissionais de saúde se adaptarem a dar estas informações de uma maneira diferente. Uma situação, antes da pandemia tida como inaceitável, passou a ser incorporada: as comunicações de óbito aos familiares.

Algumas questões  bioéticas tiveram que ser novamente discutidas para manter a adequação destas novas modalidades. As principais questões foram as associadas à preservação do direito a privacidade dos pacientes e suas famílias e a maneira adequada de realizar esta comunicação. 

Os pacientes, mesmo em situações de emergência e risco de vida, mantém o direito de terem as suas informações, imagens e o próprio corpo preservado de exposições desnecessárias. 

Os profissionais de saúde tem o dever de confidencialidade associado a  todas as diferentes formas de comunicação com outras pessoas, sejam elas parentes, amigos ou terceiros envolvidos, como, por exemplo, empregadores.

O Artigo 73 do Código de Ética Médica, Resolução CFM 2217/2018, veda ao médico fazer qualquer revelação de conhecimento adquirido no exercício da sua profissão, ou seja as informações privilegiadas que teve acesso. Este mesmo artigo permite que as informações sejam compartilhadas em três situações: 

1) A comunicação é admitida quando o paciente autoriza o médico a fazer esta revelação. É uma garantia de que o paciente dando o seu consentimento, o profissional possa compartilhar as informações que foram autorizadas expressamente pelo paciente. 

2) Outra exceção à confidencialidade é quando existe dever legal associado a esta divulgação de forma restrita, como por exemplo nas doenças de comunicação compulsória. É importante destacar que a autoridade que recebe estas informações também tem um dever de confidencialidade associado. 

3) A última possibilidade é por motivo justo. A comunicação aos familiares de um paciente, que não autorizou, de forma prévia e expressa às equipes de saúde, pode ser feita utilizando esta exceção de confidencialidade por motivo justo. É adequado que os familiares recebam informações sobre o estado de saúde do paciente. ´Porém, esta situação deve ser avaliada com cuidado e balizada pelos limites da relação entre a privacidade e a confidencialidade.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) se manifestou por meio do Parecer 131045/20, de 10/03/2021 sobre a realização de videochamadas envolvendo pacientes internados ou sedados. Neste documento, aprovado pelo CREMESP, há o entendimento de que é "absolutamente proibida a exposição... dos pacientes" nestas condições. Esta opinião se fundamentou no Parecer CFM 05/2016  do Conselho Federal de Medicina (CFM), e no Parecer CREMESP 18692/2016, ou seja, ambos documentos publicados anteriormente a situação vigente de excepcionalidade da atual pandemia. É uma posição meramente formalista de aplicação do dever de confidencialidade, ou seja. com a total desconsideração da situação atual e das suas circunstâncias. Descontextualizar esta situação é negar que ocorreram mudanças significativas. Uma circunstância que merece ser destacada é a mudança de hábitos da sociedade. As novas formas de comunicação foram se incorporando ao cotidiano das pessoas. Na vigência das atuais restrições de acesso dos familiares aos ambientes assistenciais, as video chamadas podem ser a única maneira de contato, de uma conviência mínima. Este tipo de videochamada pode ser uma maneira de tranquilizar os familiareas, pode dar conforto para os pacientes e, principalmente, pode ser a única maneira, em muitas situações, de realizar algum tipo de despedida. Este é o fundamento desta nova forma de comunicação, é este o valor a realizar. Menos mal que é apenas um Parecer, ou seja uma opinião, e não uma resolução. Vale lembrar que o CREMESP atinge apenas os médicos que atuam em São Paulo.  Este Parecer não tem efetividade para os médicos de outros estados e muito menos em relação aos demais profissionais de saúde, mesmo no estado de São Paulo. A confidencialidade e a privacidade se mantém, especialmente nestas novas configurações, como dever e como direito associados às comunicações entre profissionais, pacientes e seus familiares.  

Por isso, é fundamental destacar algumas características associadas à comunicação efetiva:

  • Capacitação adequada do profissional;
  • Identificação adequada das pessoas envolvidas no processo;
  • Momento adequado;
  • Relação adequada;
  • Processo adequado.

A capacitação adequada passa pelo equilíbrio entre as competências científicas e humanistas do profissional. O profissional deve ter os conhecimentos dos diagnósticos e do quadro geral de saúde do paciente, assim como dos procedimentos, técnicas e tecnologias que estão sendo utilizadas. Por outro lado, deve ser capaz transmitir estas informações de forma acessível de modo a estabelecer uma relação de confiança com os familiares visando um mínimo de tranquilidade em um momento tão delicado na vida de todos. O profissional deve estar atento não apenas aos aspectos biológicos do paciente, mas também aos aspectos biográficos, isto é, buscando integrar as questões da vida e do viver. Este processo de comunicação não deve ser apenas uma experiência, mas também uma vivência singular para todas as pessoas envolvidas, inclusive o profissional.

O profissional deve estar capacitado para lidar com a incerteza associada às situações de saúde e cuidado do paciente. As situações de incerteza geram ansiedade, são difíceis de lidar por todos. A incerteza deve ser entendida como a impossibilidade da certeza. A noção de risco, muitas vezes, está além da compreensão das pessoas leigas. Além da incerteza, a concordância entre as informações também é fundamental. As informações dadas pelos profissionais são cotejadas com as disponibilizadas por amigos, em redes sociais e por outras pessoas. Nem sempre as informações concordam. Sem concordância e com alto grau de incerteza associado, a interação entre o profissional e os familiares, que é por definição complexa, pode se tornar caótica. 

A identificação das pessoas envolvidas no processo de comunicação é fundamental para preservar a privacidade do paciente. Saber quem é a pessoa de referência para contato e troca de informações é um fator de extrema importância. A melhor alternativa ocorre quando o próprio paciente estabelece quem irá receber as notícias por parte dos profissionais. Porém, isto nem sempre é possível. Os profissionais de Serviço Social podem auxiliar muito nesta etapa. Podem identificar as pessoas mais envolvidas com o paciente antes da sua internação. Não é incomum dar informações às pessoas erradas. Isto deve ser cuidadosamente checado no início do processo de comunicação. As pessoas devem ser identificadas pelo seu nome e não pelo seu vínculo familiar apenas. Em algumas situações os profissionais fazem registros de quadros de saúde no prontuário de um paciente que se referem a outros pacientes que estão sob seus cuidados. Posteriormente, acabam registrando uma nota de correção ou esclarecendo que aquelas informações devem ser desconsideradas, mas o registro permanece. Nas comunicações verbais isto também não é incomum. Algumas vezes, os profissionais podem se confundir e compratilham informações que não se referem ao paciente daqueles familiares. 

Outra situação, que não é rara, é o profissional ter que se comunicar para mais de um núcleo familiar. As estratégias pode ser variadas. Quando há um mínimo de harmonia entre estas pessoas, a comunicação pode ser simultânea, mas algumas vezes não. Isto exigirá que o profissional faça mais de uma comunicação sobre as mesmas informações para diferentes pessoas de diferentes vínculos familiares. O fato de alguém se apresentar como membro da família ou como amigo, não credencia uma pessoa para receber notícias sobre o paciente. O familiar de referência poderá ser a pessoa responsável por divulgar as informações no âmbito destas outras pessoas. 

O momento adequado da comunicação é importante. As informações relevantes devem ser compartilhadas. Muitas vezes pelo temor associado à reação das pessoas, a comunicação de informações é retardada. Algumas vezes o quadro de saúde evolui de foram rápida, surpreendendo a todos que não haviam sido adequadamente informados. Não é um simples repasse imediato de dados sobre o paciente, mas uma ação estratégica onde o tempo e o ritmo da evolução devem ser sempre considerados. O momento adequado também se refere ao tempo disponível para ter esta interação. Pode ser importante balizar aos demais participantes quanto tempo o profissional dispõe para esta atividade.

A forma de comunicar é fundamental. Assumir uma comunicação não-violenta ou empática é extremamente importante. Não julgar é a regra. A comunicação empática é colaborativa, é acolhedora. Ele gera uma sensação de pertencimento e não de competitividade entre as pessoas que estão se comunicando. É a maneira de demonstrar que o nosso interesse central é o paciente e os seus familiares.

A relação adequada é fruto destes cuidados anteriores de se apropriar das informações, de identificar as pessoas com as quais irá se comunicar e de estabelecer o momento adequado. Quando possível, é importante comunicar as decisões clínicas tomadas antes de executá-las. Os familiares poderão compartilhar com a equipe as crenças, valores e desejos do paciente, caso este esteja impossibilitado de se comunicar com a equipe. Isto, quando possível, é importante para evitar que os familiares sejam surpreendidos por ações já realizadas.

Existem inúmeros protocolos de comunicação efetiva, tais como o SPIKES e o ABCDE. Todos os protocolos têm vários pontos em comum. 

1) O importante é haver uma preparação adequada do profissional para realizar a comunicação, ou seja, se apropriar das informações e adequar a terminologia à compreensão por parte do paciente ou dos familiares. 

2) Construir um ambiente e uma relação terapêutica é outro ponto significativo para o sucesso da comunicação. 

3) Estar capacitado para realizar uma comunicação efetiva é igualmente importante. Isto implica em balizar a comunicação no interesse dos participantes e das informações anteriores. Perguntar o que os pacientes ou familiares já sabem sobre o quadro de saúde é extremamente importante. Da mesma forma, questionar o que eles desejam saber serve como um balizador para aliviar as expectativas.

4) Os profissionais devem saber lidar com as reações dos pacientes e familiares ao longo da comunicação. Não devem ser feitos julgamentos associados a estes tipos de comportamentos, mas sim dar apoio e acolhimento.

5) O profissional deve encorajar e validar as emoções dos pacientes e dos familiares associadas às informações comunicadas. Da mesma forma, também pode expressar as suas emoções associadas a esta situação que está sendo vivenciada por todos os participantes. A experiência de comunicação é única, mas as vivências são diferenciadas de pessoa para pessoa.

Ao final da comunicação o profissional deve programar um próximo encontro e enfatizar que a equipe profissional está envidando todos os esforços no sentido de atender adequadamente as necessidades de atendimento do paciente. 

Para saber mais:

Rosemberg M. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora; 2006.

Souza J, Ostermann AC. “Tudo bem”, “tudo em paz” e “uma tremenda sorte”: Avaliações positivas no gerenciamento da incerteza na comunicação entre oncologistas e pacientes com câncer de mama. Rev Estud Da Ling. 2017;25(2):609. 

Rabow MW, McPhee SJ. Beyond breaking bad news: How to help patients who suffer. West J Med. 1999;171(4):260–3. 

Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale E a, Kudelka a P. SPIKES-A six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000 Jan;5(4):302–11. 

Pires AP. Comunicação de Más Notícias. Site Bioética, 1998.

Goldim JR. Fases do Processo de Entendimento de Más Notícias. Página de Bioética, 1998.



Texto originalmente publicado em 22/11/2020 e modificado em 10/04/2021

domingo, 7 de fevereiro de 2021

COVID-19 e a utilização de vacinas fora do Programa Nacional de Imunização

 

José Roberto Goldim


O Brasil tem uma longa e reconhecida atuação na área de imunização. O Programa Nacional de Imunização (PNI) existe, de forma estruturada e atuante, desde 1973. Contudo, as discussões sobre vacinas e saúde pública remontam ao início do século 20, com o enfrentamento da varíola e da febre amarela. O PNI é anterior a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A estrutura do SUS, estabelecida pela Lei 8080/1990, permite a possibilidade da participação de serviços privados de assistência à saúde (Art. 20). Estes serviços privados também deverão observar os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento (art.22).

Estas duas considerações são importantes para delimitar as articulações privadas, propostas nas duas primeiras semanas de janeiro de 2021, visando a compra, distribuição e aplicação das vacinas para COVID-19. Vale lembrar que, salvo alguma outra proposta não adequadamente divulgada, estas foram as primeiras tentativas de compra privada de vacinas durante a pandemia. 

Estas duas iniciativas, uma da Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC), e outra de um grupo de empresários, que buscam complementar as ações já em andamento do PNI na área das vacinas COVID-19.

A ABCVAC afirma ter uma possibilidade de compra de cinco milhões de doses da vacina produzida pela empresa Bharat Biotech da Índia. Estas doses seriam disponibilizadas para a venda na rede de clínicas de vacinação associadas a ABCVAC.

A ABCVAC alegou que a sua proposta é adequada e dentro das propostas do SUS, no sentido de que em outras campanhas de vacinação estas mesmas clínicas também vacinavam as pessoas fora do âmbito do SUS.

A vacina da Bharat Biotech ainda não teve os resultados dos estudos fase 3 publicados, o que dificulta a liberação, ainda que em caráter emergencial, para uso assistencial. Uma outra exigência, de ter estudos clínicos realizados no Brasil, foi flexibilizada pela ANVISA em decisão recente envolvendo outra vacina.

Por sua vez, o grupo de empresários afirmou ter tido uma oferta de venda, por parte de um dos investidores da vacina da AstraZeneca, de um lote de 33 milhões de doses, com uma compra mínima de 11 milhões de doses. Os empresários fizeram uma proposta ao governo federal de que doariam metade das doses para serem aplicadas no SUS.

A oferta de uma doação de doses de vacinas, complementarmente àquelas utilizadas fora dos critérios do PNI, pode parecer atraente, mas, na realidade, é prejudicial, pois é uma "doação condicionada", ou seja, deixa de ser uma doação e  passa a ser uma troca.

Os valores da compra de cada dose, segundo esta oferta do investidor, seriam cerca de quatro vezes superiores aos pagos pelo governo federal pela mesma vacina, sem contar com a possibilidade de serem acrescidos impostos a estes valores. Uma outra dificuldade adicional seria a liberação de compra de vacinas e medicamentos por empresas que não negociam habitualmente estes produtos. Haveria a necessidade de um prévio cadastramento específico junto aos órgãos governamentais.

A AstraZeneca e o fundo, citado como sendo o investidor que iria vender a sua cota de vacinas, desmentiram publicamente a possibilidade desta transação. A AstraZeneca informou que na atual situação estaria vendendo vacinas apenas para governos ou organizações multilaterais.  Vale lembrar que, naquele mesmo período, a empresa farmacêutica estava sendo pressionada pela Europa para cumprir os prazos de entrega de compras já contratadas.

Após estas manifestações, não ficou claro quem estaria negociando esta venda aos empresários e muito menos as condições de compra divulgadas. 

Ambas as propostas visavam atender a uma demanda semelhante: vacinar trabalhadores de setores privados visando a sua imunização para garantir a continuidade das atividades econômicas. Na proposta dos empresários havia também proposta de estender esta vacinação também aos familiares.

A primeira manifestação do governo, a estas duas propostas, foi no sentido de que o PNI teria cobertura suficiente para atender a estas demandas. Houve a manifestação do governo federal no sentido de que não seriam autorizadas compras privadas de vacina de que, neste momento, o fornecimento será centralizado pelo Ministério da Saúde. Contudo, em menos de uma semana, houve uma mudança no sentido de que esta proposta, em especial a dos empresários, seria bem-vinda. E o governo federal, inclusive encaminhou uma carta à empresa AstraZeneca manifestando a sua aprovação a esta proposta de compra privada.

Alguns empresários, que haviam sido citados como membros deste grupo, desmentiram que estavam interessados em vacinar apenas seus funcionários. Afirmaram que apenas fariam uma compra privada se todas as doses fossem doadas ao SUS e que não aceitariam a quebra das prioridades estabelecidas no PNI..

A reação da população a esta proposta foi avaliada em uma pesquisa de opinião publicizada, envolvendo 2500 pessoas de todo o Brasil, divulgada em 05 de fevereiro. Apenas 33% das pessoas entrevistadas se manifestaram no sentido de achar justa a vacinação de pessoas para a COVID-19, na atual situação sanitária vigente. Nos resultados, o grupo de pessoas, com renda superior a dez salários mínimos, teve a maior aceitação, com 60% aceitando como justa a possibilidade de vacinação paralela ao SUS.

Inúmeros outros grupos de profissionais também se manifestaram no sentido de conseguirem antecipar a sua vacinação fora dos critérios estabelecidos pelo PNI. Em algumas propostas esta antecipação seria estendida também aos seus familiares. Em algumas destas propostas havia inclusive o custo por pessoa, que seria de R$800,00. Em outros grupos, houve a solicitação de liberação de vacinas do SUS por critérios não estabelecidos no PNI.

A direção do Hospital Sírio Libanês fez uma solicitação ao seu Comitê de Bioética no sentido de se manifestar sobre este tema. No dia 29 de janeiro o Comitê de Bioética do Hospital Sírio Libanês de manifestou por meio de parecer, divulgado pela própria instituição, no sentido da inadequação ética desta proposta. O parecer utiliza uma clara e adequada argumentação ética para justificar que “a compra e distribuição de doses de vacina pela iniciativa privada, gerando a vacinação de indivíduos fora dos grupos prioritários que mais se beneficiam, fere os princípios fundamentais da equidade, da integralidade, da universalidade e da justiça distributiva, ferindo não só os próprios fundamentos do SUS, mas também a própria lógica que gera o benefício de uma campanha de vacinação”.

O Comitê de Bioética Clínica do HCPA aprovou uma nota de apoio ao parecer do Comitê de Bioética do Hospital Sírio Libanês. A Rede de Comitês de Bioética, que é um grupo ainda informal, está solicitando que outras instituições também se manifestem em relação a este mesmo parecer.

Em situações de escassez de recursos, como a vigente em relação a imunização para a COVID-19, os critérios de alocação devem ser discutidos com a sociedade, como um todo, e não apenas por setores específicos. Estes critérios de alocação têm que ser eticamente defensáveis. Os critérios diferenciarão grupos, mas não podem discriminar,  por este mesmo motivo. As características utilizadas devem ser diretamente vinculadas à situação de de emergência ou catástrofe associadas à alocação destes recursos. É fundamental que haja visibilidade e clareza na apresentação dos critérios de alocação.

A abordagem de situações como esta deve envolver a avaliação da adequação aos princípios da dignidade, da liberdade, da integridade e da vulnerabilidade. 

Todas as pessoas devem ter a sua dignidade preservada. É um critério que une a todos, sem distinção.

Na vigência de uma situação de emergência sanitária mundial, tão grave quanto a que estamos enfrentando na pandemia da COVID-19, todos também estamos em uma situação de vulnerabilidade. Todas as pessoas estão necessitando de alguma forma de proteção adicional, seja em qual âmbito de necessidade física, mental ou social.

As escolhas de grupos prioritários devem ser feitas com base na preservação da integridade pessoal e coletiva. A adequada avaliação de riscos associados a cada grupo de pessoas deve ser cotejada com os correspondentes benefícios da medida de imunização. Os fatores de exposição, de continuidade de exposição ao vírus, de maior risco de manifestações graves, de maior taxa de letalidade, são exemplos de critérios que podem orientar esta avaliação envolvendo a integridade. 

A liberdade das pessoas é um bem fundamental, que deve ser considerado. O equilíbrio entre a liberdade pessoal e a segurança da vida em grupo é imprescindível. Utilizar a liberdade individual como justificativa para esta ação complementar ao SUS só se justifica no em situações onde não haja escassez de recursos. 

Na atual situação mundial de pandemia, com grande de escassez de recursos, que irá perdurar por um longo período, permitir uma ação paralela, e não complementar seria quebrar esta questão da equidade. 

O PNI estabeleceu critérios de priorização para o recebimento de vacinas. Esta deve ser a estratégia a ser seguida. O acesso a um sistema complementar deve ser um opção, uma escolha da pessoa, mas nunca uma situação de oportunidade desigual.


Para ler mais:

Bermudez J. Pandemia, solidariedade e vacinas: disputa predatória no mundo. E o Brasil? Conselho Nacional de Saúde, 01/02/2021.

Hospital Sírio Libanês - Comitê de Bioética. Parecer do Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês sobre a ética da compra privada de vacinas contra COVID19 durante situação de pandemia. 2021;(29/01).