José Roberto Goldim
A Percepção da Opinião Pública sobre a Inteligência Artificial
Em 2024, em uma pesquisa de opinião pública, 73% das pessoas de 20 diferentes países disseram que compreendiam o que é Inteligência Artificial (IA), com uma variação de 53% no Japão e 80% na Indonésia e em Portugal. No Brasil a compreensão declarada foi de 76%.
Foram questionadas, também, a aprovação ou não para nove situações específicas de atendimento à saúde. Tanto no Brasil como nas respostas da amostra como um todo, a maior aprovação foi para os procedimentos envolvendo diagnósticos por imagem. A prescrição de medicamentos foi a atividade que teve a menor aceitação nos grupos estudados (tabela 1). É sempre bom relembrar que estas pesquisas, mais do que a opinião pública, avaliam a opinião publicizada pelas pessoas, ou seja, podem ocorrer viéses nas respostas em função de múltiplos fatores associados.
Tabela 1 - Resultados de uma pesquisa de opinião pública envolvendo 23882 pessoas de 23 diferentes países, sendo 1121 no Brasil, em maio de 2024.
Global Public Opinion on Artificial Intelligence (GPO-AI). Schwartz Reisman Institute / University of Toronto (May 16, 2024).
As Origens da Inteligência Artificial
A Inteligência Artificial se baseia no uso de computadores e sistemas que permitem realizar inúmeras tarefas e atividades que simulam o funcionamento do cérebro humano. Inúmeras contribuições de diferentes pesquisadores permitiram construir as bases do hoje denominamos de Inteligência Artificial.
Goldim JR. Linha do Tempo: "Do ábaco à Inteligência Artificial". Sutori, 2024.
- uma calculadora automática pode ser programada para simular o funcionamento de uma máquina?
- um computador ser programado para utilizar uma linguagem?
- um conjunto de "neurônios hipotéticos" podem ser arranjados para formarem conceitos?
- é possível desenvolver um teoria do tamanho do cálculo?
- é possível o auto-aprimoramento das próprias máquinas?
- é possível ter abstrações realizadas pelas máquinas?
- os computadores têm capacidade de lidar com aleatoriedade e criatividade?
Definição de Inteligência Artificial
A UNESCO define que:
"Os sistemas de IA são tecnologias de processamento de informação que integram modelos e algoritmos com capacidade de aprender e de realizar tarefas cognitivas que conduzem a resultados como previsão e tomada de decisão em ambientes materiais e virtuais. (...) Os sistemas de IA são concebidos para funcionar com vários graus de autonomia, através da modelagem e representação do conhecimento, da exploração de dados e do cálculo de correlações".
UNESCO. Recommendation on the Ethics of Artificial Intelligence. Paris: Unesco; 2021.
Outra definição é de que a Inteligência artificial
"é o estudo dos sistemas que agem de um modo que, a um observador qualquer, pareceria ser inteligente. (...) Inteligência Artificial envolve a utilização de métodos baseados no comportamento inteligente de humanos e outros animais para solucionar problemas complexos".
Silveira SR, DeVit ARD. Inteligência Artificial: os computadores podem ser criativos? In: Fernandes MS, Caldeira CM de G, editors. Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: GZ; 2023:7–30.
Russel e Norvig, que escreveram o livro texto que é utilizado em mais de 1500 universidades, definem que
"o campo da inteligência artificial, ou IA, se preocupa não apenas em compreender, mas também em construir entidades inteligentes—máquinas que podem processar como agir de forma efetiva e segura em uma ampla variedade de novas situações".
A Classificação da Inteligência Artificial
A Inteligência Artificial, que não tem uma classificação muito clara e uniforme entre diferentes autores e instituições. As duas classificações mais usualmente utilizadas são pelos critérios de capacidade e de finalidade.
A classificação por capacidade parte da comparação entre a inteligência humana, tomada como controle, com a das máquinas. São utilizadas três categorias: fraca, forte e superinteligente.
A Inteligência Artificial Fraca ou Restrita, denominada de Narrow em inglês (ANI) é aquela que realiza tarefas e funções específicas. Todas as ferramentas de Inteligência Artificial atualmente disponíveis estão neste estágio.
A Inteligência Artificial Forte o Geral, General, em inglês (AGI), já possibilita simular atividades intelectuais humanas de forma independente. A Prova de Turing é que poderá identificar o início deste estágio, quando não mais será possível diferenciar os resultados humanos e de máquinas.
A Inteligência Artificial classificada como Superinteligent em inglês, ou Superinteligente, talvez fosse melhor traduzida por Suprainteligente, pois estará além da inteligência humana. É neste estágio teórico que supostamente as máquinas ultrapassarão a inteligência humana.
Fernandes MS, Goldim JR. Aspectos éticos, legais e sociais associados à Inteligência Artificial. In: Fernandes MS, Caldeira CM de G, editors. Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: GZ; 2023:31–44.
A classificação por finalidade, ou purpose em inglês, tem como objetivo verificar a abrangência das tarefas realizadas pelas ferramentas de inteligência artificial, que pode ser específica ou geral. A utilização destes mesmos termos em duas classificações pode gerar confusões e ambiguidades entre elas próprias, dificultando a sua compreensão.
A Inteligência Artificial Específica, ou Narrow em inglês, é aquela na qual os modelos ou sistemas informatizados tem finalidades restritas. São as ferramentas dedicadas a algumas tarefas, que podem ser complexas, mas que ficam restritas em termos de uso. As ferramentas de tratamento de imagem, tanto na publicidade, no cinema e na medicina, são exemplo disto, assim as aplicações para fins financeiros e os sistemas autônomos de direção de veículos. Na área de armamentos, os sistemas de armas letais autônomas, LAWS - Lethal Autonomous Weapon Systems, em inglês, também tem esta classificação.
A Inteligência Artificial Geral, ou general em inglês, é a utilizada pelos modelos e sistemas com finalidades amplas, tais como os chatbot que utilizam modelos generativos. Estes modelos de grande abrangência de linguagem, ou large language models (LLM) em inglês, conseguem entender e gerar conteúdos de linguagem que são interativos. Os melhores exemplos deste tipo de inteligência artifical geral de grande abrangência são as ferramentas ChatGPT, Gemini, Claude AI, Perplexity, o1 e DeepSeek, entre outros. São sistemas poderosos que tem uma excelente interação com pessoas, mas que podem apresentar problemas de conteúdo nas suas mensagens geradas.
Bengio Y. International AI Safety Report: The International Scientific Report on the Safety of Advanced AI. London: UK Government; 2025:27.
- Estes testes foram desenvolvidos para avaliar a cognição humana, e ainda recebem críticas quanto a sua validade;
- Ainda não se tem uma clara definição e diferenciação da inteligência humana e da inteligência das máquinas;
- As máquinas tem claros viéses de aprendizado, em função dos dados utilizados para o seu treinamento prévio.
- Melhor processamento de informações não estruturadas
- Análises de grandes volumes de dados
- Consolidação de conhecimentos
- Interação com linguagem natural
- Facilidade de tradução de textos e linguagem verbal
- Produção audiovisual
- Reconhecimento de imagens
- Precisão de movimentos
- Padronização de processos
Fernandes MS, Goldim JR. Artificial Intelligence and Decision Making in Health: Risks and Opportunities. In: Sousa Antunes, H., Freitas, P.M., Oliveira, A.L., Martins Pereira, et al editor. Multidisciplinary Perspectives on Artificial Intelligence and the Law. Cham, Switzerland: Springer; 2024:187–204.
- Privacidade e confidencialidade
- Viéses algorítmicos (GIGO)
- Origem não confiável dos dados (GIGO)
- Associações espúrias (alucinações)
- Falta de avaliação prévia à liberação das ferramentas
- Má intenção associada ao uso das ferramentas (dolo)
- Sistemas autônomos de tomada de decisão (responsabilidade)
- Arrogância tecnológica - Infocracia (Han, 2022)
- “Estupidez artificial” e “Burrice natural”
Fernandes MS, Goldim JR. Artificial Intelligence and Decision Making in Health: Risks and Opportunities. In: Sousa Antunes, H., Freitas, P.M., Oliveira, A.L., Martins Pereira, et al editor. Multidisciplinary Perspectives on Artificial Intelligence and the Law. Cham, Switzerland: Springer; 2024:187–204.
- Respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da dignidade humana;
- Prosperidade ambiental e ecossistêmica;
- Garantir diversidade e inclusão; e
- Viver em sociedades pacíficas, justas e interconectadas.
- Desenvolvimento, inclusivo e sustentável, e bem-estar;
- Direitos humanos e valores democráticos, incluindo justiça e privacidade;
- Transparência e explicabilidade;
- Robustez, segurança física e patrimonial; e
- Responsabilidade pelos resultados.
A existência de uma marco regulatório é fundamental, mas ele deve ser precedido e monitorado de uma reflexão ética continuada. Sem esta reflexão poderemos ter muitos documentos regulatórios, porém com pouca ação prática efetiva.
Fernandes MS, Goldim JR. Artificial Intelligence and Decision Making in Health: Risks and Opportunities. In: Sousa Antunes, H., Freitas, P.M., Oliveira, A.L., Martins Pereira, et al editor. Multidisciplinary Perspectives on Artificial Intelligence and the Law. Cham, Switzerland: Springer; 2024:187–204.
Perspectivas Futuras na Saúde
A utilização de ferramentas de Inteligência Artificial na área da Saúde deve levar em conta as seguintes perspectivas futuras:
- Benefício potencial nas áreas de diagnóstico, com mais precisão e precocidade; de tratamento, com maior especificidade e eficácia; e de gestão dos pacientes e recursos;
- Risco de reversão, sendo fundamental evitar a “estupidez artificial, quando a Inteligência artificial se converte em uma ferramenta rígida e ineficaz, incapaz de se adaptar a situações complexas;
- Necessidade de discutir e estabelecer padrões éticos e legais que garantam o uso da inteligência artificial, de maneira justa e responsável, especialmente na área da saúde.
O que nos faz humanos
É sempre importante lembrar que o futuro da Inteligência Artificial não se refere apenas aos algoritmos – refere-se aos valores que codificamos neles. e que o futuro da humanidade não depende apenas de ações individuais, mas sim de discussões e reflexões que envolvam as diferentes comunidades e países.
Adela Cortina. Ética o ideología de la inteligencia artificial? El eclipse de la razón comunicativa en una sociedad tecnologizada. Madrid: Paidós; 2024.
Byung-Chul Han. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes; 2015:54.
Como queremos viver? O que há de humano no ser humano, de natural na natureza, que precisa ser protegido? (...) Essas perguntas antigas-novas podem ser jogadas de um lado para o outro entre a vida cotidiana, a política e a ciência. No estágio mais avançado do processo civilizatório, elas voltam a ocupar uma posição prioritária na agenda – também, ou precisamente, em tempos em que estão envoltas no disfarce de fórmulas matemáticas e controvérsias metodológicas.
Ulrich Beck. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: 34, 2011.