domingo, 12 de outubro de 2025

Bioética de Corredor: a inserção das consultorias de Bioética Clínica na assistência

José Roberto Goldim 

A Bioética Clínica surgiu da necessidade de discutir situações que geram desconfortos morais no profissionais, paciente ou familiares. É deste desconforto que vem a necessidade de discutir e refletir de forma conjunta. Os Comitês de Bioética Clínica e os consultores de Bioética Clínica foram algumas das alternativas de abordagem para estas situações.

Porém, muitas vezes, as discussões servem mais para os consultores do que para as pessoas que demandam a sua realização. O foco teórico, o tempo de resposta e a reinserção dos próprios consultores na realização destas atividades geram esta percepção. 

Não adianta apenas discutir os aspectos teóricos. Classificar os casos de acordo com os princípios, com os direitos humanos envolvidos, com a relação risco-benefício, pode ser útil em atividades educacionais de Bioética, mas podem não auxiliar na superação do desconforto.

Da mesma forma, receber a demanda de uma consultoria e programar a sua discussão para uma próxima reunião do Comitê de Bioética Clínica não é uma resposta eficaz. Na maioria das vezes, as respostas são esperadas em tempo real, na condução do caso em si. Em muitas situações, as suas características podem mudar rapidamente. A resposta esperada pelos profissionais, pacientes ou familiares é imediata, no tempo das ações assistenciais.

Os consultores de Bioética Clínica têm que ser familiarizados com as questões assistenciais. Eles precisam ter conhecimentos que permitam entender as situações que lhes estão sendo apresentadas, têm que ter familiaridade com a realidade das atividades de assistência. A sua inserção nestas atividades não é uma característica imprescindível, mas auxilia em muito na realização de consultorias mais efetivas.

O grande desafio para a capacitação dos profissionais que atuam na área de Bioética Clínica é conciliar os conhecimentos teóricos, que servem de base para a argumentação, com a prudência necessária ao seu enfrentamento destes problemas (7). 

Prudência é a capacidade de deliberar, ou auxiliar na deliberação, sobre a adequação de uma determinada situação, é a razão prática. Ter Prudência exige uma atitude de inserção na realidade, de considerar cuidadosamente os diferentes aspectos associados e as suas respectivas características em termos de intenções, interesses, consequências, direitos e deveres associados, responsabilidades para si mesmo e para com os outros envolvidos.

Para ser uma pessoa prudente, é necessário conhecer os diferentes referenciais teóricos, que podem ser associados à situação objeto da reflexão, pois estes serão fundamentais para a elaboração de uma argumentação capaz de ser discutida racionalmente. São estes aspectos que enquadram as situações particulares em padrões gerais, que permitem fazer associações entre diferentes casos ou até mesmo as generalizações, que servem como elementos de entendimento e de significado para a experiência. Contudo, os padrões não podem se sobrepor às peculiaridades de cada caso, devem permitir fazer analogias, buscar aplicar os conhecimentos advindos das vivências de casos semelhantes.

Pois é sempre importante lembrar que cada situação é única, é singular, merecendo, desta forma, uma reflexão que atenda às suas peculiaridades. 

É deste reconhecimento simultâneo do caráter geral e particular de cada situação trazida à consultoria na área de Bioética Clínica que o consultor deve partir para auxiliar quem lhe pediu ajuda. É um misto de conhecimentos teóricos com a sensibilidade para os aspectos peculiares de cada caso que surgem as reflexões e, eventualmente as recomendações, que podem ser compartilhadas.

É importante que as consultorias de Bioética possam ser prestadas nos próprios locais de atendimento assistencial, que os consultores tenham uma interação pessoal e direta com as pessoas envolvidas, respeitando os espaços de deliberação já existentes. Os consultores de Bioética podem e devem se deslocar às unidades de atendimento onde os pacientes estão sendo atendidos, em tempo real. Quem solicita uma consultoria não deve ficar aguardando por um longo período, pois as suas decisões estão sendo pressionadas pela própria situação objeto de reflexão.

Não há necessidade de dar uma recomendação imediata, mas é importante demonstrar prontidão na resposta à consultoria. Muitas situações necessitam de um tempo de maturação, de um período que permita a interação e a troca de informações e sentimentos. Mas o importante é desencadear esses processos de ajuda a quem demanda uma consultoria. Nem sempre é a resposta que é aguardada, mas sim a sensação de estar compartilhando com outras pessoas de confiança as suas inquietudes frente ao caso. É desta hesitação que surge o caráter de humanidade das decisões a serem tomadas.

Esta inserção das consultorias de Bioética Clínica nas atividades assistenciais é que recebeu a denominação de Bioética de Corredor. É uma proposta que permite uma resposta no tempo certo, ao se associar às demais atividades desenvolvidas com os pacientes. A Bioética de Corredor pode ser uma estratégia de compartilhar situações de inquietudes e intranquilidades vivenciadas por  os profissionais, pacientes e familiares. A consultoria de Bioética, desta forma, não aplica, mas insere a discussão dos múltiplos aspectos bioéticos associados a estas situações. 

Albert Jonsen fez o seguinte comentário em seu texto sobre Ética Clínica e Casuística:

        O espírito dos antigos casuístas habitam os corredores dos modernos hospitais.

Este é o mesmo espírito que a Bioética de Corredor compartilha e vivencia. 

Referências

Jonsen A, Toulmin S. The Abuse of Casuistry: a history of moral reasoning. Berkeley: University of California Press; 1988. 

Ver também:
Bioética de Corredor; uma abordagem útil e necessária para as consultorias de Bioética Clínica (14/11/2022)