domingo, 7 de fevereiro de 2021

COVID-19 e a utilização de vacinas fora do Programa Nacional de Imunização

 

José Roberto Goldim


O Brasil tem uma longa e reconhecida atuação na área de imunização. O Programa Nacional de Imunização (PNI) existe, de forma estruturada e atuante, desde 1973. Contudo, as discussões sobre vacinas e saúde pública remontam ao início do século 20, com o enfrentamento da varíola e da febre amarela. O PNI é anterior a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS).

A estrutura do SUS, estabelecida pela Lei 8080/1990, permite a possibilidade da participação de serviços privados de assistência à saúde (Art. 20). Estes serviços privados também deverão observar os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento (art.22).

Estas duas considerações são importantes para delimitar as articulações privadas, propostas nas duas primeiras semanas de janeiro de 2021, visando a compra, distribuição e aplicação das vacinas para COVID-19. Vale lembrar que, salvo alguma outra proposta não adequadamente divulgada, estas foram as primeiras tentativas de compra privada de vacinas durante a pandemia. 

Estas duas iniciativas, uma da Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC), e outra de um grupo de empresários, que buscam complementar as ações já em andamento do PNI na área das vacinas COVID-19.

A ABCVAC afirma ter uma possibilidade de compra de cinco milhões de doses da vacina produzida pela empresa Bharat Biotech da Índia. Estas doses seriam disponibilizadas para a venda na rede de clínicas de vacinação associadas a ABCVAC.

A ABCVAC alegou que a sua proposta é adequada e dentro das propostas do SUS, no sentido de que em outras campanhas de vacinação estas mesmas clínicas também vacinavam as pessoas fora do âmbito do SUS.

A vacina da Bharat Biotech ainda não teve os resultados dos estudos fase 3 publicados, o que dificulta a liberação, ainda que em caráter emergencial, para uso assistencial. Uma outra exigência, de ter estudos clínicos realizados no Brasil, foi flexibilizada pela ANVISA em decisão recente envolvendo outra vacina.

Por sua vez, o grupo de empresários afirmou ter tido uma oferta de venda, por parte de um dos investidores da vacina da AstraZeneca, de um lote de 33 milhões de doses, com uma compra mínima de 11 milhões de doses. Os empresários fizeram uma proposta ao governo federal de que doariam metade das doses para serem aplicadas no SUS.

A oferta de uma doação de doses de vacinas, complementarmente àquelas utilizadas fora dos critérios do PNI, pode parecer atraente, mas, na realidade, é prejudicial, pois é uma "doação condicionada", ou seja, deixa de ser uma doação e  passa a ser uma troca.

Os valores da compra de cada dose, segundo esta oferta do investidor, seriam cerca de quatro vezes superiores aos pagos pelo governo federal pela mesma vacina, sem contar com a possibilidade de serem acrescidos impostos a estes valores. Uma outra dificuldade adicional seria a liberação de compra de vacinas e medicamentos por empresas que não negociam habitualmente estes produtos. Haveria a necessidade de um prévio cadastramento específico junto aos órgãos governamentais.

A AstraZeneca e o fundo, citado como sendo o investidor que iria vender a sua cota de vacinas, desmentiram publicamente a possibilidade desta transação. A AstraZeneca informou que na atual situação estaria vendendo vacinas apenas para governos ou organizações multilaterais.  Vale lembrar que, naquele mesmo período, a empresa farmacêutica estava sendo pressionada pela Europa para cumprir os prazos de entrega de compras já contratadas.

Após estas manifestações, não ficou claro quem estaria negociando esta venda aos empresários e muito menos as condições de compra divulgadas. 

Ambas as propostas visavam atender a uma demanda semelhante: vacinar trabalhadores de setores privados visando a sua imunização para garantir a continuidade das atividades econômicas. Na proposta dos empresários havia também proposta de estender esta vacinação também aos familiares.

A primeira manifestação do governo, a estas duas propostas, foi no sentido de que o PNI teria cobertura suficiente para atender a estas demandas. Houve a manifestação do governo federal no sentido de que não seriam autorizadas compras privadas de vacina de que, neste momento, o fornecimento será centralizado pelo Ministério da Saúde. Contudo, em menos de uma semana, houve uma mudança no sentido de que esta proposta, em especial a dos empresários, seria bem-vinda. E o governo federal, inclusive encaminhou uma carta à empresa AstraZeneca manifestando a sua aprovação a esta proposta de compra privada.

Alguns empresários, que haviam sido citados como membros deste grupo, desmentiram que estavam interessados em vacinar apenas seus funcionários. Afirmaram que apenas fariam uma compra privada se todas as doses fossem doadas ao SUS e que não aceitariam a quebra das prioridades estabelecidas no PNI..

A reação da população a esta proposta foi avaliada em uma pesquisa de opinião publicizada, envolvendo 2500 pessoas de todo o Brasil, divulgada em 05 de fevereiro. Apenas 33% das pessoas entrevistadas se manifestaram no sentido de achar justa a vacinação de pessoas para a COVID-19, na atual situação sanitária vigente. Nos resultados, o grupo de pessoas, com renda superior a dez salários mínimos, teve a maior aceitação, com 60% aceitando como justa a possibilidade de vacinação paralela ao SUS.

Inúmeros outros grupos de profissionais também se manifestaram no sentido de conseguirem antecipar a sua vacinação fora dos critérios estabelecidos pelo PNI. Em algumas propostas esta antecipação seria estendida também aos seus familiares. Em algumas destas propostas havia inclusive o custo por pessoa, que seria de R$800,00. Em outros grupos, houve a solicitação de liberação de vacinas do SUS por critérios não estabelecidos no PNI.

A direção do Hospital Sírio Libanês fez uma solicitação ao seu Comitê de Bioética no sentido de se manifestar sobre este tema. No dia 29 de janeiro o Comitê de Bioética do Hospital Sírio Libanês de manifestou por meio de parecer, divulgado pela própria instituição, no sentido da inadequação ética desta proposta. O parecer utiliza uma clara e adequada argumentação ética para justificar que “a compra e distribuição de doses de vacina pela iniciativa privada, gerando a vacinação de indivíduos fora dos grupos prioritários que mais se beneficiam, fere os princípios fundamentais da equidade, da integralidade, da universalidade e da justiça distributiva, ferindo não só os próprios fundamentos do SUS, mas também a própria lógica que gera o benefício de uma campanha de vacinação”.

O Comitê de Bioética Clínica do HCPA aprovou uma nota de apoio ao parecer do Comitê de Bioética do Hospital Sírio Libanês. A Rede de Comitês de Bioética, que é um grupo ainda informal, está solicitando que outras instituições também se manifestem em relação a este mesmo parecer.

Em situações de escassez de recursos, como a vigente em relação a imunização para a COVID-19, os critérios de alocação devem ser discutidos com a sociedade, como um todo, e não apenas por setores específicos. Estes critérios de alocação têm que ser eticamente defensáveis. Os critérios diferenciarão grupos, mas não podem discriminar,  por este mesmo motivo. As características utilizadas devem ser diretamente vinculadas à situação de de emergência ou catástrofe associadas à alocação destes recursos. É fundamental que haja visibilidade e clareza na apresentação dos critérios de alocação.

A abordagem de situações como esta deve envolver a avaliação da adequação aos princípios da dignidade, da liberdade, da integridade e da vulnerabilidade. 

Todas as pessoas devem ter a sua dignidade preservada. É um critério que une a todos, sem distinção.

Na vigência de uma situação de emergência sanitária mundial, tão grave quanto a que estamos enfrentando na pandemia da COVID-19, todos também estamos em uma situação de vulnerabilidade. Todas as pessoas estão necessitando de alguma forma de proteção adicional, seja em qual âmbito de necessidade física, mental ou social.

As escolhas de grupos prioritários devem ser feitas com base na preservação da integridade pessoal e coletiva. A adequada avaliação de riscos associados a cada grupo de pessoas deve ser cotejada com os correspondentes benefícios da medida de imunização. Os fatores de exposição, de continuidade de exposição ao vírus, de maior risco de manifestações graves, de maior taxa de letalidade, são exemplos de critérios que podem orientar esta avaliação envolvendo a integridade. 

A liberdade das pessoas é um bem fundamental, que deve ser considerado. O equilíbrio entre a liberdade pessoal e a segurança da vida em grupo é imprescindível. Utilizar a liberdade individual como justificativa para esta ação complementar ao SUS só se justifica no em situações onde não haja escassez de recursos. 

Na atual situação mundial de pandemia, com grande de escassez de recursos, que irá perdurar por um longo período, permitir uma ação paralela, e não complementar seria quebrar esta questão da equidade. 

O PNI estabeleceu critérios de priorização para o recebimento de vacinas. Esta deve ser a estratégia a ser seguida. O acesso a um sistema complementar deve ser um opção, uma escolha da pessoa, mas nunca uma situação de oportunidade desigual.


Para ler mais:

Bermudez J. Pandemia, solidariedade e vacinas: disputa predatória no mundo. E o Brasil? Conselho Nacional de Saúde, 01/02/2021.

Hospital Sírio Libanês - Comitê de Bioética. Parecer do Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês sobre a ética da compra privada de vacinas contra COVID19 durante situação de pandemia. 2021;(29/01). 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

COVID-19, incerteza, ambiguidade e ansiedade

 José Roberto Goldim


Na década de 1970, Tversky e Kahneman realizaram pesquisas sobre a questão de fazer julgamentos em cenários de incerteza. Eles propuseram que a ambiguidade surge da falta de qualidade, de quantidade e da coerência entre as informações disponíveis sobre um determinado assunto.

O cenário que estamos vivendo durante a pandemia tem como características: um excesso na quantidade de informações, com uma qualidade duvidosa e com muita incoerência entre as mesmas. 

Quanto a qualidade da informação, a pandemia tem gerado uma produção científica impressionante. O volume de artigos publicados é gigantesco. Em menos de um ano, foram indexados na base PUBMED, mais de 104 mil artigos. Isto significa um artigo novo a cada cinco minutos. O desenvolvimento de inúmeras vacinas e a realização de pesquisas sobre a sua segurança, tolerabilidade e eficácia em um curto espaço de tempo, é a prova da capacidade de geração de conhecimentos pela comunidade científica mundial. Muitos trabalhos científicos publicados já foram retratados, ou seja, foram avaliados como não tendo valor científico. Por outro lado, a facilidade com que as informações podem ser divulgadas e disseminadas nas redes sociais e meios de comunicação também gerou uma proliferação de notícias sem qualquer base de conhecimentos. Esta geração de notícias, no mínimo, duvidosas, não é por simples desconhecimento, mas também é realizada como produção de ignorância intencional. Com um grande volume de informações, é muito difícil fazer uma triagem do que é, ou não, válido.

Em 2003, quando houve a epidemia de SARS, foi criada a palavra Infodemia para caracterizar o grande volume de informações  associadas àquela situação. Esta palavra foi uma conjugação dos termos Informação Epidemia. Foi uma forma descrever as dificuldades decorrentes da desinformação associada ao volume de informações veiculadas.

A grande quantidade de informações, disponibilizadas diariamente, tem o efeito de reduzir o impacto destas mesmas informações, pelo simples fato de serem reiteradamente divulgadas. Isto já foi caracterizado pela Lei de Shannon, proposta na década de 1940. Esta Lei estabeleceu que o impacto de uma informação é inversamente proporcional à sua frequência.  Ou seja, de tanto um assunto ser veiculado, o seu impacto acaba por ser reduzido: é a banalização da informação. Um exemplo disto, é a divulgação das mortes causadas pela COVID-19. As primeiras mortes causaram grande comoção e apreensão na população. Porém, com a evolução da pandemia, este efeito foi sendo progressivamente atenuado. Por exemplo, nos Estados Unidos, apenas no dia 30 de dezembro de 2020, foram comunicadas 3808 mortes. Qual foi o impacto desta informação sobre a população norte-americana e mundial? Apenas para fazer um comparativo, o atentado de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas de Nova Iorque, causou 2977 mortes. Este episódio gerou um gigantesco impacto mundial, acarretando mudanças em vários aspectos da sociedade norte-americana e mundial. Ou outra comparação possível, seria de que este mesmo número de mortes corresponderia à queda, com todas as vítimas fatais, de mais de 20 aviões Boeing 737-800.

Shannon, 1948

A coerência das informações é um fator muito importante na redução da ambiguidade associada a uma decisão em situações de incerteza associada. A comunidade científica, especialmente na área da saúde, frequentemente realiza encontros que visam a elaboração de consensos sobre determinados assuntos ainda não devidamente consolidados na literatura científica. 

Uma pessoa leiga pode ficar confusa quando um especialista faz uma recomendação, com base em informações científicas, e uma outra pessoa, com grande visibilidade social, como uma liderança política, por exemplo, dá outras informações contrárias, ou age de forma exatamente inversa ao preconizado. A falta de coerência gera desconforto e desconfiança. Existe um outro risco, que é o decorrente da disseminação de informações sobre aspectos científicos e de saúde, realizada por pessoas sem qualificação científica ou profissional para isto. A repercussão destas opiniões pode ser muito grande, especialmente quando emitidas por pessoas tidas como "celebridades". 

Esta repercussão pode ser explicada, pelo menos em parte, pelo Efeito Dunning-Kruger. Em 1999, estes dois pesquisadores, a partir de dados obtidos em quatro diferentes experimentos, conseguiram estabelecer uma associação entre o grau de conhecimento, ou competência para lidar com uma determinada situação, e a confiança associada às suas afirmativas. Os autores esperavam que houvesse uma relação direta entre conhecimento/competência com a confiança. Isto realmente foi verificado nos grupos de pessoas com competência média e alta onde foi verificada uma crescente autoconfiança associada. Paradoxalmente, o grupo das pessoas com baixa competência para lidar com a mesma situação, apresentou uma alta autoconfiança ao dar as suas opiniões. Autoconfiança sem base em conhecimentos. É esta autoonfiança infundada que dá credibilidade a uma simples opinião, sem uma base de conhecimentos que a sustente. Um bom exemplo disto é a divulgação de "informações" sobre os efeitos genéticos das vacinas. Muitas postagens são tão enfáticas que parecem ter alguma razão. Muitas pessoas se assustam e acabam se posicionando contra o uso das vacinas. É um exemplo bem típico do que Kruger e Dunning denominaram de "montanha da estupidez".


Kruger & Dunning, 1999

Um cientista sempre vai reconhecer que existe uma possibilidade de erro, de incerteza associada aos seus argumentos. Porém, uma pessoa, que tem baixa competência científica, gera uma opinião convicta, com base em uma aparente certeza. Este confronto de argumentos científicos com opiniões leigas enfáticas, tem sido muito frequentemente ao longo da pandemia.  

Lidar com incerteza sempre gera ansiedade. Por sua vez, a ambiguidade, gerada pela falta de qualidade, pelo excesso de quantidade e pela falta de coerência, pode interferir  na avaliação dos riscos associados a uma dada situação. A ambiguidade pode gerar avaliações de riscos podem ser minimizados ou maximizados. Esta mistura de ansiedade, incerteza e ambiguidade é muito delicada, pois pode gerar escolhas com efeitos catastróficos para si e para os outros. Esta talvez seja uma das explicações possíveis para os fenômenos sociais que estão ocorrendo em vários países. 

Para ler mais


Shannon CE. A Mathematical Theory of Communication. Bell Syst Tech J. 1948;27:379–423, 623–656. 




domingo, 29 de novembro de 2020

COVID-19 e os Animais

 José Roberto Goldim

A questão das relações entre os animais e a pandemia da COVID-19 está presente desde o início da sua discussão. A relação do vírus SARS-CoV-2 com morcegos e pangolins foi muito discutida na perspectiva de serem os agentes naturais de transmissão. Os primeiros, talvez, como hospedeiros naturais deste vírus, e os segundos como via de transmissão alimentar para humanos. 

Ambos, morcegos e pangolins, sofreram um grande impacto em seus hábitos devido a interferência humana. A redução dos espaços naturais anteriormente existentes afeta a circulação e convivência de animais, seja como  indivíduos ou como espécies. A Saúde Planetária, já discutida em outro texto anterior, coloca estas questões ambientais no centro da discussão. A perspectiva antropocêntrica da saúde, que era predominante, passou a ter a visão biocêntrica, mais abrangente, como alternativa. 

O vison é um tipo de doninha, que tem uma pele muito apreciada e valiosa no mercado de luxo da moda. Cada casaco de pele, em média, utiliza a pele de 60 animais. No passado, em função de ações e denúncias de organizações de proteção aos animais, acabou criando um comportamento de redução de uso de casacos e outras peças de roupas com a utilização de peles de animais. Esta redução no uso de peles animais, especialmente de visons e filhotes de focas, foi resultado de inúmeras manifestações em desfiles de moda, cerimônias públicas e outras situações sociais foram realizadas. 

A revelação da situação vivida pelos pequenos animais na atual pandemia causou surpresa. A grande quantidade de animais criados em cativeiro e as decisões tomadas pelos diferentes países para tentar contornar a situação epdemiológica evidenciada.

Estes animais, que habitam ambientes aquáticos e tem hábitos solitários, quando criados em cativeiro, são alojados em gaiolas de metal localizados em grandes galpões. A restrição de espaço para os animais gera canibalismo e outras formas de agressão, agravada por uma baixa assistência veterinária, já documentada, aos mesmos.

Peter Singer, quando publicou o seu livro Animal Liberation, já havia denunciado que estas formas industriais de criação animal não atendem aos critérios mínimos de bem-estar  e que alteram hábitos de vida e comportamentos. 

Um artigo, a ser publicado na edição de fevereiro de 2021 da revista Emerging Infectious Disease, mas liberado para consulta digitalmente de forma precoce, documentou a possibilidade de transmissão do vírus SARS-CoV-2 entre humanos e visons. Foram identificadas mutações semelhantes às verificadas em trabalhadores das fazendas de criação destes animais. Já existem pelo menos três vacinas diferentes sendo desenvolvidas para uso especificamente em visons.

A população mundial estimada de visons é de cerca de 50 milhões. Esta produção  concentra-se especialmente na China, Dinamarca, Holanda e Polonia. A Dinamarca é a maioria produtora mundial de peles de vison, com cerca de 17 milhões de animais. O ministro da Agricultura ordenou, por razões sanitárias, a eliminação de 10 milhões de animais em mais de mil fazendas de criação. Cerca de 12 pessoas diagnosticadas de COVID-19 foram contaminadas com as variantes encontradas nos animais das fazendas de criação. Além da Dinamarca, as mesmas variantes encontradas nos visons foram detectadas em seis pessoas da Holanda, duas pessoas na África do Sul e também na Suíça, além pessoas isoladas nas Ilhas Faroe, Rússia e Estados Unidos. Ainda não há informações se estas variantes surgiram primeiro nos visons ou em humanos.

Anteriormente, o SARS-CoV-2 já havia sido detectado em animais de fazendas de criação de vison na Espanha, na Holanda e nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, em uma fazenda no estado de Utah, cerca de 10 mil animais morreram em um surto de COVID-19. Os Estados Unidos tem cerca de 245 fazendas de criação de visons em 22 diferentes estados. 

Pelo mesmo motivo da Dinamarca, a Espanha já havia eliminado cerca de 100 mil visons  e a Holanda algumas dezenas de milhares de animais criados em 68 fazendas. França também tomou uma medida semelhante, com a morte de mil animais. 

Outra questão que gera preocupação é a da contaminação de ambientes naturais. A cada ano, centenas de animais escapam das fazendas de criação e voltam aos ecossistemas. Nestes locais os animais, caso estejam contaminados, passam a transmitir este vírus a animais selvagens, antes não expostos ao vírus.  

Por outro lado, as formas de matar e sepultar os animais foram discutíveis. Inúmeros questionamentos foram feitos sobre as decisões de mandar matar, de como matar e de como eliminar as carcaças dos animais. Um Tribunal da Dinamarca questionou a validade da decisão tomada pelo Ministro da Agricultura daquele país, afirmando que ele não tinha base legal para ordenar este tipo de ação. Isto acarretou a substituição deste ministro. Outra questão importante foi a forma de depositar as carcaças dos animais mortos em covas coletivas e rasas, próximas a cursos d'água. A maior preocupação ambiental foi com a liberação de nitrogênio e fósforo com a decomposição das carcaças. As covas utilizadas para enterrar os animais foram muito rasas e os gases gerados pela decomposição, acabaram por expor novamente as carcaças dos animais mortos. Depois deste desfecho inusitado, está sendo avaliada a possibilidade de exumar e cremar os restos animais. Esta possibilidade também deverá ser avaliada em termos do impacto ambiental, especialmente em função do volume de restos animais a serem cremados.

Estas medidas para conter a expansão das infecções por coronavírus em visons são discutíveis na sua origem. A relação de causa e efeito das contaminações entre os humanos e os visons ainda não foi adequadamente explicada. De acordo com a tendência, é possível  dar outras interpretações ao fenômeno constatado. A forma de eliminação dos animais e de suas caraças demonstrou graves falhas em termos de manejo ecologicamente adequado

Grande parte deste problema se deve a perda da noção de complexidade e diversidade na abordagem questões ambientais. A criação intensiva de animais, fora de seus ambientes naturais, com alteração de hábitos e comportamentos, com descaso pelas condições mínimas de bem-estar, é um importante fator agravante. 

A situação dos visons deu visibilidade a um problema que aparentemente já havia tido uma solução adequada. A utilização de peles animais, criados especificamente para este fim, para a confecção de roupas não era mais um problema de grande visibilidade. O volume de fazendas de criação espalhadas pelo mundo e o número surpreendente de animais em condições não adequadas gera um novo questionamento sobre o papel de nós humanos perante os demais animais. 

A Bioética, nas propostas de Fritz Jahr e de Van Rensselaer Potter, tem esta preocupação ampla com a vida e o viver de todos os seres, sejam humanos, animais ou plantas. A proposta da Ética da Terra, de Aldo Leopold, ampliou a abrangência para todos os elementos da natureza. 

Muitas pessoas questionam se esta reflexão sobre aspectos éticos pode ser ampliada para além dos humanos. A base deste pensamento é que apenas os humanos podem ser detentores de direitos, que apenas os humanos tem intenção associada ao agir. Mas estas são apenas algumas  das possibilidades de abordagem. A questão da nossa relação com a natureza pode e deve ser reenquadrada. 

No início dos anos 2000, já havia o reconhecimento de que os animais devem ser merecedores de considerações éticas. Os animais podem não ter direitos, mas nós temos deveres para com eles. Nós humanos temos  deveres e responsabilidade para com toda a natureza. Da mesma forma, podem ser avaliadas as consequências das nossas ações envolvendo outras formas de vida e do ambiente. Existem inúmeras referenciais teóricos que permitem abordar as questões ambientais nas reflexões bioéticas.

O importante é manter uma abordagem complexa para a abordagem dos problemas bioéticos em todos os níveis, sejam eles individuais, coletivos ou globais.


Para saber mais

Goldim JR. COVID-19, Saúde Global e Saúde Planetária. Bioética Complexa (Blog). 11/05/2020

Hammer AS, Quaade ML, Rasmussen TB, Fonager J, Rasmussen M, Mundbjerg K, et al. SARS-CoV-2 Transmission between Mink ( Neovison vison ) and Humans, Denmark. Emerg Infect Dis [Internet]. 2021 Feb;27(2). Divulgado antecipadamente em 19/11/2020. 

domingo, 4 de outubro de 2020

COVID-19, Morte e Morrer

 José Roberto Goldim


Talvez o maior medo associado a pandemia da COVID-19 é a morte. O número de mortos assume valores impressionantes. Inicialmente estes valores assustaram a todos. o passar do tempo e a continuidade do crescimento, houve uma banalização do seu impacto. Isto pode ser explicado por duas diferentes fontes. A famosa citação: “A morte de uma pessoa: é uma catástrofe. Cem mil mortes: isso é uma estatística!”, atribuída equivocadamente a Stalin, foi escrita, na realidade, por Kurt Tucholsky, em 1925. Da mesma forma, a Lei de Shannon, proposta em 1948, afirma que na medida em que a frequência de uma informação aumenta, o seu impacto inicial diminui. Informações sobre as mortes, que antes geravam discussões e ansiedade, passaram a ser apenas dados que se acumulam. 

Muitos temas associados à morte e ao morrer seguem exigindo a nossa reflexão. A reflexão passa pela necessidade de alocar recursos escasso, da condução adequada dos cuidados prestados, das peculiaridades de procedimentos, em função de legislações nacionais, e da percepção da sociedade.

Em várias publicações leigas e científicas existe ambiguidade e confusão na utilização de conceitos essenciais. 

A utilização de critérios defensáveis, desde o ponto de vista técnico, ético e social, para a alocação de recursos escassos, foi uma necessidade para o enfrentamento de situações criticas em algumas regiões de diferentes países. Alguns autores confundiram a situação dos pacientes que não tiverem acesso aos recursos necessários com a eutanásia passiva. Estes pacientes devem receber todos os cuidados paliativos necessários para minorar o seu sofrimento e desconforto. A eutanásia passiva ocorre quando alguém, habitualmente um profissional de saúde, abrevia intencionalmente a vida do paciente.  Este é o objetivo da realização do procedimento. Na triagem, o objetivo é disponibilizar os recursos escassos de acordo com os critérios previamente estabelecidos e conhecidos pela sociedade. O paciente e seus familiares não podem ser surpreendidos com a utilização de critérios nunca antes discutidos e compartilhados. Como os recursos são escassos e excepcionais, a morte é decorrente da evolução do quadro de saúde preexistente. e não em função da restrição em si. O que não pode ocorrer é o abandono de pacientes que não preenchem os critérios de triagem e muito menos a sua utilização sem que haja carência de recursos. 

Ao longo dos atendimentos dos pacientes COVID-19 nas Unidades de Tratamento Intensivo também tem ocorrido situações de obstinação terapêutica, também denominadas de Distanásia. Muitas vezes os profissionais de saúde ou os familiares questionam no sentido de manter cuidados já considerados fúteis ou de implantar outras medidas progressivamente invasivas sem que haja possibilidade de benefício para o paciente. É simplesmente utilizar por ter o recurso disponível. Conforme propôs Günther Ropohl, em 1981, não devemos fazer tudo o que a técnica nos permite fazer. A adequação na utilização dos recursos tecnológicos na área da saúde é fundamental. Não tem sentido utilizar medidas fúteis. É importante saber reconhecer quando os recursos, que podem beneficiar os pacientes, se esgotam. 

É extremamente importante manter os familiares e os próprios pacientes, quando possível, informados desta avaliação. Quando todas as medidas terapêuticas de cura se esgotam, permanecem os cuidados paliativos indispensáveis. Um questionamento sempre presente é se foram tomadas todas as medidas que deveriam ser tomadas. Reconhecer o esgotamento de recursos terapêuticos de cura é poder afirmar que tudo que podia ser feito foi efetivamente utilizado. Ir além é postergar, é prolongar indevidamente. É fundamental que as equipes tenham objetivos e metas terapêuticas claras, que sejam compartilhadas entre todos os profissionais, com os pacientes e seus familiares. É fundamental garantir uma morte adequada aos pacientes, isto é, uma adequação  em relação a causa, ao modo e ao tempo da sua ocorrência. O morrer adequado é muitas vezes denominado de Ortotanásia.

A questão dos cuidados paliativos também teve inúmeras utilizações discutíveis. Alguns autores consideraram os cuidados  paliativos como sendo eutanásia passiva. Nos cuidados paliativos a intenção é reduzir o sofrimento do paciente, é permitir que ele tenha uma alívio de seus sintomas e situações. Podem ser utilizadas medidas de anagesia para controle da dor e de sedação paliativa para o alívio da falta de ar. Os cuidados paliativos evitam um prolongamento indevido dos cuidados prestados. Na eutanásia passiva, por outro lado, a intenção é antecipar a morte do paciente. A dificuldade é ampliar a perspectiva habitual de cuidados paliativos, voltada a pacientes individuais, para ser utilizada no sofrimento coletivo gerado pela pandemia.

Com relação a eutanásia propriamente dita, ocorreram situações aparentemente paradoxais. Na Holanda, primeiro país a ter uma legislação específica sobre este tema, houve uma suspensão da realização deste procedimentos em função da mobilização dos profissionais para atenderem as demandas geradas pela pandemia. O Euthanasia Expertise Centre, da Holanda, responsável por mais 898 procedimentos deste tipo em 2019, suspendeu todas as suas atividades durante a pandemia. Os procedimentos de eutanásia foram considerado como eletivos. Por outro lado, no Canadá, onde 1,6% das mortes são medicamente assistidas, vários procedimentos foram realizados no sentido de atender a solicitações de antecipação de eutanásia, para evitar que estas pessoas não corressem o risco de ter COVID-19. Ou seja, são duas posições contrárias frente a mesma situação, que podem ser explicadas em função do foco da decisão. 

Os estudos de avaliação de características de culturas nacionais, realizados com base na proposta de Gert Hofstede, demonstram que estes dois países têm muitas semelhanças, mas algumas diferenças que podem explicar este aparente paradoxo frente a eutanásia durante a pandemia. Das seis características utilizadas no modelo de Hosftede, os dois países tem semelhanças em quatro e se diferenciam em outras duas. Tanto o Canadá quanto a Holanda têm uma noção de interdependência entre seus cidadãos, e ambos têm culturas individualistas. Estes dois países também são sociedades competitivas, que aceitam um certo grau de risco associado às tomadas de decisão. As duas características que diferenciam estes países são a orientação de longo prazo e a forma como estas sociedades lidam com impulsos e desejos. Os canadenses tem uma orientação mais voltada ao curto prazo, enquanto que os holandeses tem uma perspectiva mais longo prazo. Porém quanto aos impulsos e desejos, as perspectivas de invertem. Os canadenses são mais indulgentes em relação aos impulsos e desejos, enquanto que os holandeses são mais restritivos. Isto pode ser a explicação das duas perspectivas. O Canadá ao ao realizar os procedimentos de eutanásia durante a pandemia reflete estas perspectivas de curto prazo e de valorizarem a realização de impulsos e desejos. Por outro lado, a Holanda ao postergar a realização dos procedimentos de eutanásia, revela as suas características de pensar pragmaticamente e a longo prazo. São duas perspectivas apenas aparentemente contraditórias, que quando avaliadas de forma mais abrangente têm uma coerência com as suas caraterísticas históricas e culturais.

Uma última abordagem possível é a discussão sobre as mortes evitáveis. Esta situação já foi descrita com a denominação de Mistanásia. Estas mortes, que ocorrem por falta de planejamento adequado, poderiam ter sido evitadas, menos pessoas poderiam ter morrido em decorrência da pandemia. Estas mortes podem envolver ou não a infecção pelo SARS-CoV-2, pois muitas outras mortes deveriam ser também computadas como decorrentes da pandemia. Muitos pacientes morreram, por outras causas, durante a pandemia por falta de assistência adequada. A restrição de procedimentos, de escassez recursos e do despreparo para enfrentar situações como a vivida nesta pandemia, fizeram com que muitos pacientes com COVID-19 e outros sem COVID-19 morressem indevidamente. Nos casos de óbitos causados pela COVID-19 existem modelos que permitem fazer uma estimativa de mortes. Estas mortes evitáveis são aquelas que extrapolam os modelos de mortalidade usuais. As mortes evitáveis em outros diagnósticos poderão ser verificadas posteriormente. Será possível avaliar se houve, na vigência da pandemia, uma mortalidade superior à média histórica, excluindo o computo dos casos de COVID-19.


Para ler mais

Shannon CE. A Mathematical Theory of Communication. Bell Syst Tech J. 1948;27:379–423, 623–656. 

Davis SP. Euthanasia of the Coronavirus - COVID-19. Online J Heal Ethics [Internet]. 2020;16(1). 

Pomeroy R. COVID-19 and Passive Euthanasia. RealClear Science. 2020. 

Pancevski B. Coronavirus Is Taking a High Toll on Sweden’s Elderly . Families Blame the [Internet]. The Wall Street Journal. 2020

Yuill K, Boer T. What Covid-19 has revealed abut euthanasia. Spiked. 2020 

Wiebe E, Green S, Wiebe K. Medical assistance in dying (MAiD) in Canada: practical aspects for healthcare teams. Ann Palliat Med. 2020 Aug;9(6):38–38. 

domingo, 20 de setembro de 2020

COVID-19 e Estudos de Desafio Humano

 José Roberto Goldim


A pressão da comunidade mundial para o desenvolvimento acelerado de vacinas já teve o seu resultado. A média histórica de 12,5 anos para o desenvolvimento de um novo produto na área da saúde foi encurtada para alguns meses. A previsão de que os estudos de fase 3, na perspectiva mais otimista, fossem iniciados em 2023, foi derrubada pois, pelo menos nove projetos de vacina já estão em execução em setembro de 2020.  

Com o avanço dos projetos de pesquisa, as questões se deslocam da segurança e da tolerabilidade para a  eficácia em curto, médio e longo prazo. Uma importante questão é saber se as pessoas já vacinadas durante os projetos de pesquisa tem efetivamente uma imunidade ativa contra o Sars-CoV-2.

Existe uma mobilização, principalmente gerada por um grupo norte-americano, em defesa da realização de estudos de desafio humano em COVID-19. Este grupo já contou com o apoio de inúmeras pessoas, inclusive cientistas e outras pessoas com grande influência na sociedade. Este grupo já tem um outro site que defende diferentes formas de doação de órgãos intervivos com o objetivo reduzir o tempo de lista de espera. O traço comum entre as duas propostas é incentivar comportamentos altruístas.  No site do 1daysooner já tem um registro de mais de 37000 pessoas, de 162 países, que se voluntariaram para participar de estudos de desafio humano. 

Neste tipo de estudo as pessoas participantes são intencionalmente exposta à contaminação de uma doença, com a finalidade de verificar a sua evolução e a sua imunidade gerada por vacinação prévia. Estes estudos envolvem a preparação de agentes infectantes, a transmissão intencional aos voluntários e o seu acompanhamento a curto, médio e longo prazo. No início destes estudos os participantes ficam alojados com rígido controle de isolamento. Este período é compatível com o risco de transmissão para outras pessoas da comunidade. Eles voltam ao convívio social apenas quando não há risco de transmissão. Os efeitos são acompanhados por longos períodos visando avaliar as questões de imunidade, de eventos adversos e outros eventos associados. 

Os estudos de desafio humano deveriam ser denominados de estudos de desafio de infecção humana controlada ou, melhor ainda, de estudos de modelos controlados de infecção em seres humanos.

Na história da pesquisa em seres humanos, inúmeros estudos, hoje tidos como inadequados, foram realizados utilizando esta estratégia. Vale lembrar que desde o século 18, com os estudos envolvendo a transmissão e a imunização de varíola são feitos estudos deste tipo. No século 19 foram inúmeros estudos sobre sífilis e raiva que infectaram propositadamente pessoas sadias e pacientes visando verificar sua imunidade. No século 20 podem ser destacados os estudos de febre amarela realizados em Cuba e no Brasil, nos anos de 1900 a 1903, e o estudo de hepatite realizado em Willowbrock/Estados Unidos  na  década de 1950. 

Nos últimos 50 anos, contudo, inúmeros estudos de desafio humano foram realizados de forma adequada e auxiliaram no desenvolvimento de novas vacinas e na proteção imunológica de algumas doenças. É difícil saber quantas vezes estes estudos foram realizados, pois não existe um indexador específico nas bases de dados.

Na vigência da pandemia da COVID-19, a Organização Mundial da Saúde publicou um documento sobre os critérios éticos de aceitabilidade para a realização deste tipo de estudos. Foram listados oito critérios:

1) Justificativa científica;

2) Avaliação dos potenciais riscos e benefícios;

3) Consulta e comprometimento do público, de especialistas e de responsáveis pela elaboração de políticas públicas;

4) Coordenação conjunta de pesquisadores, órgãos financiadores, encarregados de elaborar políticas públicas e pelos aspectos regulatórios;

5) Seleção dos locais de realização levando em conta os mais altos padrões científicos, clínicos e éticos;

6) Seleção dos participantes com critérios estabelecidos para limitar e minimizar os riscos associados;

7) Revisão por um comitê de especialistas independentes;

8) Consentimento informado rigoroso.

quadro comparativo apresenta os oito critérios propostos pela  e suas interações em uma perspectiva abrangente. Nestas associações é possível visualizar a complexidade da avaliação da adequação dos estudos de desafio humano. Alguns destes critérios podem ser melhor detalhados.

A justificativa científica deve contemplar simultaneamente o bem da humanidade e a proteção dos participantes. Não se justifica expor individualmente as pessoas visando gerar conhecimentos úteis e necessários à coletividade. O item 8 da Declaração de Helsinque, versão 2013, é claro ao afirmar que: 

Embora o objetivo principal da pesquisa médica seja gerar novos conhecimentos, esse objetivo nunca pode ter precedência sobre os direitos e interesses dos sujeitos de pesquisa individuais.

A  avaliação dos potenciais riscos e benefícios associados a estes projetos deve ser extremamente prudente, pois existem poucos conh ecimentos disponíveis sobre o SARS-CoV-2 e a COVID-19. É sempre bom lembrar o pouco tempo decirrido deste a sua caracterização no final de dezembro de 2019. O estabelecimento de risco depende de conhecimentos prévios. Na ausência de conhecimentos diretos, podem ser feitas analogias com a evolução de outras doenças semelhantes, mas com um alto grau de incerteza associado. 

É sempre bom lembrar que é "eticamente inadequado assumir que um risco, quando incerto ou desconhecido, é igual a zero ou seja considerado como não importante". Este pensamento de Kristin Shrader-Frechette deve orientar as avaliações da relação risco/benefício associada aos projetos de desafio humano. Inúmeros riscos de médio e longo prazo são desconhecidos e não podem ser desprezados por este motivo.

Um importante ponto associado é que estes estudos têm um risco criado ou construído pela própria pesquisa, ou seja, estas pessoas serão infectadas, ainda que voluntariamente, em função de sua participação na pesquisa. A definição de risco construído foi proposta por Anthony Giddens.

Um dos primeiros autores a estudar temas relacionados ao risco, Antoine Arnauld, em 1662, afirmou que "O medo do dano deveria ser proporcional, não apenas à gravidade do dano, mas também à probabilidade do evento".

A proposta de consulta e comprometimento do público, de especialistas e de responsáveis pela elaboração de políticas públicas é muito desejável, mas com a velocidade com que os projetos estão sendo propostos na pesquisa em COVID-19, isto nem sempre é realizado. Algumas vezes apenas os Comitês de Ética em Pesquisa se manifestam. A centralização da avaliação dos projetos pro comissões nacionais, como a CONEP no Brasil, reduz a discussão local dos projetos que podem ter algum questionamento local. Os responsáveis pela gestão local das instituições e dos sistemas de saúde não têm conhecimento da diversidade e complexidade das pesquisas realizadas. É fundamental, também, que haja uma avaliação prévia realizada por um comitê de especialistas independentes. 

Além disto, estes estudos devem ter visibilidade pública, ou seja, antes de serem iniciados, deve haver a sua divulgação em um registro de estudos clínicos aberto a consulta de qualquer pessoa. No site do Clinical Trials existem mais de 700 estudos cadastrados como sendo de desafio humano. Destes, 198 estudos estão em execução e 434 já foram concluídos. Não há registro de estudo de desafio humano envolvendo COVID-19 até 20 de setembro de 2020.

A proposta de que haja uma coordenação conjunta de pesquisadores, órgãos financiadores, encarregados de elaborar políticas públicas e pelos aspectos regulatórios também é de difícil implementação. As iniciativas de realização de projetos tem origem múltipla, nas universidades, instituições de pesquisa em saúde privadas ou públicas, em empresas de biotecnologia, em grandes conglomerados de empresas das áreas farmacêuticas e dos mais variados organismos de financiamento. Em um cenário tão diverso e pressionado pela premência de gerar novos conhecimentos é difícil buscar uma coordenação entre todos estes envolvidos. Muitas vezes são negociações e propostas realizadas em paralelo. As questões de financiamento destes estudos é de difícil planejamento, em função da incerteza associada ao desenrolar dos próprios estudos.

A seleção dos locais de realização dos estudos de desafio humano deverá levar em conta os mais altos padrões científicos, clínicos e éticos. A dificuldade vai ser contar com a infraestrutura de apoio necessário à manutenção dos participantes de pesquisa pelo período de isolamento em condições adequadas de conforto e segurança. Vale lembrar que estas pessoas, a princípio não estão doentes, são potencialmente doentes em função do delineamento utilizado.Toda a equipe de pesquisa envolvida, assim como o pessoal de apoio terão que atender a todas as medidas de segurança pessoal e comunitária. As instalações necessárias para a manipulação dos agentes biológicos também são um ponto crucial na realização destes exames.  A garantia de suporte de atendimento médico compatível com a gravidade do quadro de saúde apresentado pelos participantes é fundamental. Vale lembrar que a evolução conhecida da COVID-19 pode demandar longos períodos de internação em unidades de cuidados intensivos com a utilização de inúmeros recursos tecnológicos. 

A seleção dos participantes destes projetos deve utilizar critérios que limitem e minimizem os riscos associados. Além disto, a seleção não pode ter um caráter discriminatório nem de indução à participação. A espontaneidade das pessoas interessadas em participar destes estudos pode ser influenciada por fatores pessoais e sociais. O impulso altruísta pode ser devido a outros fatores associados a saúde mental destas pessoas. Desde o ponto de vista social, também pode haver a presença de fatores que exerçam pressões no sentido de que a opção em participar ou não possa ser ter algum elemento de reconhecimento ou de descrédito social. Sem contar com elementos coercitivos associados a vinculação dos potenciais participantes com instituições hierárquicas.  A seleção de faixas etárias com menor risco de gravidade da doença, como por exemplo dos 20 aos 30 anos pode ser entendida como um fator de proteção ou de discriminação. Da mesma forma, ao contrário dos estudos de vacina, a participação de profissionais vinculados a serviços essenciais como saúde e segurança deveria ser avaliada com extrema cautela.

Finalmente, o processo de consentimento a ser utilizado na inclusão dos participantes destes estudos deverá avaliar os componentes de capacidade, de informação e de consentimento propriamente ditos de forma rigorosa. 

A capacidade dos potenciais participantes deverá ser aferida em função do seu nível de desenvolvimento psicológico-moral, e não apenas pelo critério etário legal. Mesmo pessoas consideradas legalmente capazes, podem não ter desenvolvimento psicológico-moral compatível com a magnitude da relação risco-benefício envolvida. Esta avaliação poderá avaliar as pessoas que estão buscando participar meramente por um impulso. 

O componente de informação é crítico, pois deverão ser compartilhados conhecimentos essenciais necessários à compreensão adequada do que está sendo proposto. Alguns conhecimentos básicos poderão ser necessários para que esta compreensão seja possível. Da compreensão é que deve surgir o comprometimento, e não o impulso, para permitir a autorização para a participação. 

O componente de consentimento é que permite obter a autorização do potencial participante para a sua participação. O processo de consentimento pressupõe a liberdade para poder aceitar ou não o convite à participação no estudo. Esta liberdade deve ser preservada impedindo a presença de elementos de coerção associados ao próprio processo.  A garantia da voluntariedade dos potenciais participantes é fundamental. Na realização de estudos de Fase 1 algumas empresas e instituições de pesquisa tem remunerado os participantes. Isto acaba sendo mais um fator de interferência no processo de consentimento.

A criação de cadastros genéricos de voluntários para pesquisas em qualquer nível, especialmente em situações como os estudos de desafio humano, é altamente questionável. A rigor é uma inversão do processo de consentimento. O convite deve partir dos pesquisadores para os participantes e não ser uma oferta de participantes com interesse prévio a elaboração do prórpio protocolo de pesquisa. Todas as mais de 37000 pessoas que se inscreveram no site da 1daysooner já deram uma pré-aprovação à sua participação desconhecendo todas as informações relativas aos projetos. Um elemento importante de possível coerção é a divulgação de que muitos cientistas renomados assinaram o documento de apoio. Pode ser um argumento de autoridade que tolhe a necessidade de ser informado previamente. Outro fator é que estes estudos envolvem amostras que não são tão numerosas a ponto de necessitarem este volume de voluntários. A questão da proteção de dados pessoais destes potenciais participantes é um poutro ponto importante a ser questionado.

Não houve qualquer manifestação no sentido de impedir a realização adequada de estudos de desafio humano envolvendo COVID-19. O que houve foi claramente a utilização do prncípio da precaução em não realizar estes estudos durante a ocorrência de uma pandemia causada por um novo vírus, com características desconhecidas até pouco tempo, além da incerteza associada a própria evolução da doença e da falta de uma medicação efetiva específica. 

A geração precipitada de um clima da necessidade na realização destes estudos teve grande repercussão na imprensa leiga. Uma leitura descontextualizada desta situação pode levar a perspectiva equivocada de que a comunidade científica, as instituições de pesquisa ou os órgãos regulatórios estariam sendo contrários à realização destes estudos.

No estágio atual das pesquisas, com a realização de dezenas de estudos de novas vacinas em um tempo muito menor do que a história da ciência registrou, não há ainda necessidade de realização destes estudos de desafio humano. Os dados de proteção imunológica das novas vacinas poderão ser gerados pela própria seleção de participantes nestes estudos com maior risco profissional associado ou pela própria exposição comunitária ao vírus em locais onde a propagação ainda é elevada.

Todas estas reflexões remetem para a preservação dos critérios básicos de avaliação de projetos de pesquisa, que podem ser resumidos em apenas três itens: a relevância do projeto, a sua exequibilidade e a possibilidade de geração de conhecimento. Todos estes critérios devem ser coerentemente cotejados com a preservação da dignidade humana de todas as pessoas envolvidas, sejam eles participantes, pesquisadores, trabalhadores das instituições e a própria sociedade.

Para ler mais:

WHO. Key criteria for the ethical acceptability of COVID-19 human challenge studies 6 May 2020. Geneve; 2020.

Shrader-Frechette K. Ethics of scientific research. Boston: Rowman,1994.

Giddens A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002:104-134.

Antoine Arnauld. A Arte de Pensar. 1662.

domingo, 23 de agosto de 2020

COVID-19 e as Fases de Pesquisa em Vacinas

 José Roberto Goldim


A pesquisa na área de saúde durante a pandemia da COVID-19 deu a sociedade uma resposta muito rápida no sentido de avaliar questões desde as clínicas, epidemiológicas e  da ciência básica. Foi possível demonstrar a eficácia e a ineficácia de alguns tratamentos, medicamentos e procedimentos putilizados. 

Em 27/03/2020 foi postado um primeiro texto neste blog sobre o tema da pesquisa na COVID-19. Em 14/07/2020 foi incluído um outro texto, posteriormente atualizado, abordando as questões de integridade nas pesquisa envolvendo temas relacionados à COVID-19, que tem sido crescentes e preocupantes. 

A pesquisa em vacinas tem gerado grande ansiedade  junto a sociedade em função da expectativa de poder voltar a ter uma viver mais próximo possível do que era vigente antes da pandemia. Algumas pessoas tem questionado a questão da velocidade e dos entraves para a realização das pesquisas nesta área.

Três fatores são fundamentais para o desenvolvimento de uma nova vacina em um rápido período de tempo: ter vários projetos paralelos utilizando diferentes abordagens; recursos econômicos para sustentar estas pesquisas; e agilidade dos órgãos regulatórios. 

Em 23 de agosto de 2020 existiam 199 projetos de pesquisa cadastrados no sistema Clinical Trials para vacinas de SARSCoV-2, com pelo menos cinco abordagens diferentes: vacinas baseadas em DNA e RNA; utilizando vetores virais. baseadas em proteínas, utilizando o vírus [integro ou redirecionando vacinas já existentes para prevenir a COVID-19. 

Quanto aos recursos econômicos, as empresas farmacêuticas e de biotecnologia, com o aporte de recursos oriundos de governos de vários países, estão investindo muitos bilhões de dólares norte-americanos nestes projetos.

A maioria dos países agilizou a avaliação dos aspectos éticos e regulatórios dos projetos de pesquisa na área da COVID-19. Os prazos regulatórios foram consideravelmente reduzidos, mantendo a qualidade mínima dos processos de avaliação, impedindo que este fator determinasse algum atraso na realização dos estudos.

Contudo, as fases de pesquisa para uma nova droga ou vacina foram estabelecidas com base no Princípio da Precaução, ou seja, se existe algum risco previsível devem ser tomadas medidas no sentido de evitar as sua ocorrência ou, pelo menos para minimizá-lo.

A estratégia foi gerar uma sequência de etapas que permitissem ter uma base de conhecimentos de forma segura e eficaz. Assim, foram estabelecidas cinco etapas: a fase pré-clínica, as fases de pesquisa clínica de 1 a 3, a a fase 4, posterior a liberação do produto para uso assistencial. No texto de COVID-19 e Pesquisa, consta uma descrição sumária de cada uma delas.  

Em média, segundo vários estudos sobre pesquisas de novas drogas, o tempo entre o ínicio do desenvolvimento e a aprovação do produto gerado é de 12,5 anos. Sendo que as etapas de desenvolvimento inicial e de pesquisa pré-clínica são as mais demoradas, totalizando cerca de 9,5 anos. 


Tabela 1 - Duração cumulativa das fazes de pesquisa
para obter a aprovação assistencial de uma nova droga


Fase

Compostos testados para ter um aprovado


Duração cumulativa

Desenvolvimento

25.000

4 anos

Fase Pré-clínica

10 a 20

5,5 anos

Fase 1

5 a 10

7 anos

Fase 2

2 a 5

8 anos

Fase 3

1 a 2

11 anos

Aprovação

1

12,5 anos

Fonte: Torjesen I. Drug development: the journey of a medicine
from lab to shelf. 
The Pharmaceutical Journal 12 MAY 2015.


O desenvolvimento e a pesquisa de novas vacinas tiveram períodos que foram inclusive maiores que estes verificados para as drogas em geral. As vacinas de varicela e de influenza, por exemplo, demoraram 28 anos para serem liberadas para uso assistencial. As vacinas para o papiloma vírus humano (HPV) e para o rotavírus tiveram um tempo de 15 anos antes de sua liberação, segundo levantamentos realizados por Stanley Plotkin e colaboradores.  Vale lembrar que até hoje, passados mais de 30 anos, ainda não foi desenvolvida uma vacina contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A previsão dos especialistas em vacinas é de que ela não estará disponível antes de 2030.

Em 30 de abril de 2020, o jornal The New York Times publicou uma matéria, fazendo previsões, a época, sobre os diferentes cenários para a liberação de uma vacina para uso assistencial. O cenário mais realista utilizou os dados de Ingrid Thorjesen, ou seja, de que a primeira vacina para o vírus SARSCoV-2 estaria disponível em novembro de 2033. No cenário otimista, uma vacina poderia ser liberada em julho de 2031, com a antecipação dos estudos de fase 1 já para o ano de 2022. Finalmente, no cenário altamente otimista, a liberação poderia vir a ocorrer em outubro de 2029, com os estudos de fase 1 começando no final de 2020 ou início de 2021. Foram acrescidas outras variáveis, como a produção de uma vacina baseada em RNA, a antecipação da construção das fábricas para a produção das vacinas e a sua liberação como uso emergencial. Neste conjunto de situações a primeira vacina estaria disponível em janeiro de 2024, 

O Dr.. Anthony Fauci do FDA fez uma previsão de que poderia ter uma vacina liberada no em entre abril e outubro de 2021. O autor do artigo no The New York Times destacou que este prazo seria bastante improvável. 

A agilização do processo de aprovação das pesquisa permitiu romper com alguns pressupostos anteriormente vigentes. Isto já tinha sido proposto e utilizado nas pesquisas com medicamentos para pacientes com HIV. O modelo tradicional de escalonamento de fases, sendo que uma nova fase somente era iniciada após a anterior ter publicado os seus resultados, foi alterado. Atualmente existe a possibilidade de realizar vários estudos simultâneos de uma mesma vacina em diferentes fases, ou, até mesmo, um único estudo ter etapas de várias fases realizadas simultaneamente. Ou seja, as fases se sobrepõem mesmo ainda quando seus resultados ainda não conhecidos. 

A Operation Warp Speed (OWS) é uma parceria entre o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), do Departamento de Defesa (DOD) e de inúmeras empresas privadas no sentido de acelerar o desenvolvimento de vacinas, medicamentos e métodos diagnósticos para a COVID-19. Este acordo foi estabelecido em 15 de maio de 2020. O objetivo era ter a possibilidade de realizar estudos de fase 3 iniciando entre os meses de julho e novembro de 2020 para obter resultados até julho e 2020 para oito diferentes vacinas. 

Os dados da realidade demonstram que a conjugação dos três fatores deu resultado. Os dados atuais eram impensáveis nos cenários apresentados em abril passado. monitor de estudos sobre vacinas de COVID-19 do The New York Times, em 21 de agosto de 2020, informava que 42 estudos de vacinas estavam sendo realizados em seres humanos, sendo 21 estudos em fase 1, 13 em fase 2 e 8 em fase 3. Além disto, duas vacinas já tiveram aprovação, por órgãos nacionais, sendo uma vacina com aprovação antecipada e outra para uso emergencial. 

A vacina russa, Gam-Cocid-Vac Lyo, com nome comercial de Sputik V, foi aprovada antecipadamente pelo Ministério da Saúde da Federação Russa, em 11 de agosto de 2020, para uso assistencial. Esta vacina  somente teve um estudo de fase 1, realizado entre 17/06/2020 e 10/08/2020, envolvendo 38 voluntários, com dados ainda não publicados. Nos dados do Clinical Trial o estudo está classificado como de fase 1 e 2 simultâneo, porém as suas características são típicas de estudos de fase 1. A proposta é começar a vacinar a população russa em outubro de 2020.

 A vacina chinesa, desenvolvida por instituições de pesquisa, incluindo a Academia Militar Médica chinesa, e pelo consórcio CanSinoBIO, já teve resultados publicados estudos  de Fase 1, com 108 voluntários, e de Fase 2 com 508 participantes. Os resultados demonstraram que a vacina produz reação imunológica e que teve poucos eventos adversos. A Academia Militar Médica da China aprovou o uso emergencial desta vacina em militares e funcionários de empresas estratégicas chinesas.

No Brasil já são quatro vacinas que foram autorizadas pela ANVISA ou pela CONEP para serem testadas em projetos de pesquisa.Estes estudos são de Fase 1-2-3, em um deles, e de Fase 3, nos demais três projetos.

Estes dados demonstram a agilidade com que as pesquisas foram planejadas, executadas e divulgadas na área de novas vacinas para o SARSCoV-2. A realidade das pesquisas em andamento surpreendeu a todas as expectativas previstas em múltiplos cenários, até mesmo os mais otimistas, em termos de prazos de realização e de resultados de pesquisas envolvendo vacinas para a COVID-19. 

A questão pendente com o uso destas vacinas  testadas em períodos tão curtos se referem às questões de segurança e eficácia das suas respostas em longo prazo e em grandes grupos populacionais.


Para ler mais:

Goldim JR. COVID-19 e Pesquisa. Bioetica Complexa. 27/03/2020.

Goldim JR. COVID-19 e Integridade na Pesquisa. Bioetica Complexa. 14/07/2020.

Torjesen I. Drug development: the journey of a medicine from lab to shelf. The Pharmaceutical Journal 12 MAY 2015. http://www.pharmaceutical-journal.com/publications/tomorrows-pharmacist/drug-development-the-journey-of-a-medicine-from-lab-to-shelf/20068196.article


Stanley A. Plotkin, Wlater Orestein, Paul A. Orfitt, Kathrin M. Edwards. Plotkin’s Vaccines. 7ed New York; Elsevier, 2007.


Thomson SA. How Long Will a Vaccine Really Take? New York Times [Internet]. 2020;(Published on April 30, 2020).